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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Desqualificando a Avaliação Docente pelo Corpo Discente

Por Marcos Rodrigues Pinto*



As instituições de ensino vêm aplicando questionários avaliativos da atividade docente a cada período letivo. Nestes questionários, os alunos respondem um conjunto de perguntas as quais visam avaliar o docente quanto a quesitos como pontualidade, assiduidade, conteúdo, incentivo à participação do aluno, metodologia de ensino, avaliação, relação professor-aluno, e se existe um clima de respeito na relação professor-aluno.

Vamos primeiramente analisar cada um desses quesitos para mostrar a desqualificação do questionário devido a má interpretação da pergunta, a falta com a verdade pelo que responde ao questionário, e mesmo a idiossincrasias as quais são inescapáveis quando se conhece o público a quem eles são aplicados.

O primeiro problema é causado pelo conhecido analfabetismo funcional que é fruto de uma educação de vitrine, com promoções automáticas e a desconsideração das peculiaridades do indivíduo. O segundo problema é muito mais particular, e vai depender do caráter do aluno e da sua relação com o professor. O terceiro é também particular, mas neste caso é a visão de mundo que o sujeito tem que vai determinar a resposta que ele vai dar, tirando a objetividade da avaliação e se perdendo nas escolhas particulares de habitantes de mundos particulares. Em todos os casos, a avaliação tanto positiva quanto negativa fica prejudicada.

O quesito pontualidade é o que mostra mais distorção entre a realidade e o resultado do questionário. Um professor que nunca faltou a uma única aula, e que chegou pontualmente a todas elas, ganha o conceito mínimo de alguns alunos, o médio de outros tantos e o máximo do restante da turma. Como este quesito se refere a um fato objetivo e, no caso de pontualidade a todos os encontros a resposta única possível seria o conceito máximo, independente de qualquer aspecto subjetivo, como se pode explicar que alguns alunos tenham atribuído conceitos diferentes? Logo no primeiro quesito vê-se que o questionário não tem valor algum e não servirá de base para qualquer estudo que se julgue sério.

Assiduidade é a condição de quem é assíduo, isto é, que não falta com suas obrigações, que se faz presente constantemente em um local. Pela definição de assiduidade e pela objetividade da pergunta, novamente temos no caso de um professor que nunca faltou a nenhuma das aulas e as cumpriu conforme seu plano foi assíduo indubitavelmente. O fato de haver respostas a este quesito diferentes do conceito máximo também desqualifica todo o questionário. Podemos estar diante de uma indisposição idiossincrática do aluno, ou simplesmente da falta da verdade, ou mesmo da incapacidade de compreender o significado de ser assíduo. O vocabulário limitado causado essencialmente pelo analfabetismo funcional, mas não só por ele, pode ser causa de desqualificação desses questionários para quaisquer fins. Qualquer pessoa com o mínimo de desenvolvimento cognitivo poderia usar a lógica para chegar a essa conclusão.

No quesito conteúdo, quer-se avaliar a clareza com que o docente apresenta o conteúdo. Ora, se o aluno não possui os requisitos mínimos para cursar aquele grau e está ali conduzido por um sistema de promoção automática, necessariamente ele terá uma dificuldade monstruosa para compreender qualquer apresentação séria de um conteúdo. Um exemplo que pode ser dado aqui é na disciplina de língua portuguesa. Como o aluno vai poder considerar clara uma apresentação do conteúdo sobre orações subordinadas assindéticas se ele nem sequer sabe o que é uma oração? Temos também a via em mão contrária: uma minoria que domina o conteúdo, independente da capacidade expositiva do professor, responde à questão com o quesito máximo, uma vez que para eles tudo o que foi apresentado foi absolutamente claro. Piorando este último cenário, apenas esses alunos responderam a essa questão. Logo, uma pergunta que deveria ser objetiva cria possibilidades infinitas para a subjetividade e, consequentemente, para a desqualificação do questionário.

No que se refere ao incentivo à participação do aluno, temos um enorme espaço para idiossincrasias diversas. Há possibilidade inclusive de o aluno achar ruim ser incentivado a participar e, devido sua falta de compreensão sobre a pergunta acaba por responder que o professor teve um desempenho insatisfatório neste quesito, uma vez que o incomodou demais solicitando a sua participação. Este exemplo, embora pareça bastante esquisito, infelizmente é uma situação real. Nenhum incentivo pode ser feito por imposição. De modo que o mais frequente é deixar a oportunidade aberta e solicitar a participação voluntária do discente. Caso os alunos que atendam a essa solicitação sejam sempre os mesmos, procura-se incentivar diretamente a participação dos que costumam se manter reservados.

A metodologia de ensino também será avaliada pelo aluno, que não recebeu instrução sobre o que é uma metodologia de ensino. Logo, esperamos que ele imagine o que seria uma metodologia de ensino e que, dotado da capacidade de comparação, acabe por fazer uma avaliação mais ou menos coerente do professor. O mecanismo de comparação é essencial no cérebro humano para que façamos as melhores escolhas de acordo com as informações que temos a respeito das duas coisas comparadas. O principal problema aqui é justamente sentimental. Quem elabora o questionário idealiza uma pessoa livre de sentimentalidades, honesto, totalmente capaz de compreender a pergunta e optar pela resposta que mais se adeque ao seu juízo. No entanto, a realidade é apenas um arremedo dessa idealização, quando não a antítese. O aluno que tenha empatia pelo professor, normalmente o elogia neste quesito, o que é igualmente errado quando comparado ao caso do aluno que, por antipatia, dá o conceito mínimo a um professor.

O motivo para empatia ou antipatia, quando se trata do aluno médio pode estar ligado ao fato de o aluno se sentir desconfortável diante de situações que exponham a fragilidade de sua formação, envolvendo capacidade de leitura e compreensão de texto, habilidades básicas em matemática, conhecimentos básicos de ciências humanas e exatas.

Qualquer um que passe 12 anos em uma escola e descubra que suas promoções até concluir o nível médio foram simplesmente automáticas e não por mérito tem toda a razão de se sentir traído. O problema é que este sentimento não pode retroagir e ser derramado sobre a escola antiga. E dificilmente este aluno vai admitir a fragilidade de sua formação nestes 12 anos, pois a escola o faz pensar que a culpa é exclusivamente dele, mesmo que ele tenha sido promovido ano a ano, sem que tenha desenvolvido as habilidades necessárias para esta promoção.

Precisamos lembrar ainda que 30%, no mínimo, dos alunos que ocupam as vagas nas universidades são considerados analfabetos funcionais. E isto é um dado alarmante, mas que vem embasar de certa forma a impropriedade e até a inutilidade dos questionários feitos aos alunos para a avaliação docente.

Ainda temos uma pergunta sobre a avaliação efetuada pelo professor, se ela está de acordo com o conteúdo apresentado, também não é capaz de traduzir os acontecimentos da sala de aula de forma razoável. A maioria dos professores apresenta um conteúdo e faz uma avaliação estritamente dentro desse conteúdo, dificilmente o conectando a outros temas, e quando o faz, usa de uma razoabilidade que dificilmente motivaria alguma reclamação justa. Tanto é que se apresenta variado o percentual de respostas quanto ao ajuste entre conteúdo e o que é cobrado na avaliação. Por que um aluno afirma que a avaliação está de acordo com o conteúdo e outro aluno afirma o contrário? Qual dos dois está faltando com a verdade? Um simples exame usando o raciocínio lógico desqualifica mais uma vez o questionário e seus resultados.

Temos ainda a relação professor-aluno como a mais estúpida pergunta desse tipo de questionário. O professor atende a um público grande, variado, cheio de especificidades. Há indivíduos extremamente melindrosos, que por um olhar que não seja o olhar certo que ele espera naquele momento acaba por construir um problema de relacionamento, não somente entre ele e o professor como em relação a ele e outros colegas. Por outro lado, professores que naturalmente sejam mais simpáticos ganham notas mais altas, não necessariamente porque mantenha uma relação adequada com o aluno, mas porque ganhou a simpatia do aluno. Ter uma relação adequada com o aluno não é abraçá-lo, cumprimentá-lo efusivamente, ou elogiá-lo eloquentemente. A intenção, se é que o questionário teve um planejamento pelo menos racional, está estritamente dentro do âmbito profissional.

Outra pergunta que provavelmente foi planejada por alguém guardando uma enorme mágoa de seus antigos professores é se existe um clima de respeito na relação professor-aluno. Se um professor assedia moral ou sexualmente um aluno ou uma aluna, isto é uma conduta criminosa, e não uma questão de simples ajuste de conduta. O que o aluno considera desrespeitoso? O que o aluno considera respeito? A diversidade cultural e de religião, por exemplo, dificulta o estabelecimento de um critério universal. Por uma aluna cristã fervorosa, um professor de biologia poderia ser considerado desrespeitoso por afirmar que o universo surgiu de uma explosão cósmica e que os seres humanos evoluíram de macacos. Um questionário sério elencaria as situações que se quer mapear e pediria ao aluno que marcasse quais daquelas condutas foram observadas em sala. Por exemplo: o professor usou palavras de baixo calão durante uma aula. Essa é uma conduta desrespeitosa de âmbito universal e que não é cabível na convivência social.

Sendo assim, a marca maior desses questionários é a vagueza de suas ideias e o amplo espaço para idiossincrasias das mais variadas. Prova disso é o fato de as respostas serem normalmente variadas, distribuindo-se em percentuais de opiniões antagônicas, como se estivéssemos diante de um programa de TV e o professor estivesse recebendo votos de um público que se dividiu em torcida a favor e, eventualmente, contra.


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* Doutor e mestre em Engenharia Civil (otimização evolucionária), MBA em Finanças e Private Banking, especialista em EAD. Áreas de interesse: finanças, mercado de ações, day trader, algoritmos genéticos, matemática aplicada, filosofia, economia, linguística, política, direito.

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