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domingo, 5 de dezembro de 2021

A DEMONIZAÇÃO DA MERITOCRACIA PELA DISTORÇÃO DA REALIDADE

 No setor público do Brasil, a origem da meritocracia pode ser vista como uma tentativa do governo Getúlio Vargas de moralizar o serviço público, tanto na contratação de servidores quanto nas promoções que estes vierem a obter. É que antes de Getúlio Vargas, os cargos e empregos públicos eram distribuídos pelos políticos, de acordo com sua conveniência, claro. Daí, valia a indicação política e não o merecimento do indivíduo. Isso significava que uma pessoa pouco qualificada para uma função poderia ser contratada por uma prefeitura, por exemplo, enquanto pessoas bem qualificadas eram simplesmente desconsideradas.

Apesar desse motivo nobre na fachada da meritocracia, podemos especular que, por trás, uma vez estabelecida, o poder político em certos locais poderia ser diminuído como resultado ou efeito colateral.

Aliás, digamos de passagem que, dada as boas condições de vida pregressa de Getúlio Vargas, como rapaz de uma família abastada e influente, tendo passado pelas melhores escolas da época e sob influência de ideias do iluminismo científico, e evolucionistas de Charles Darwin, não é de se admirar que o mesmo acreditasse piamente numa sociedade moldada pela biologia, na qual os indivíduos mais habilidosos, mais inteligentes e mais enérgicos fossem os possuidores de bens, justificando, assim a existência dos não possuidores de bens.

É baseado na meritocracia que o administrador público é obrigado a fazer concurso público e escolher os que tiverem melhor resultado no certame. É também baseado nela que as promoções são atendidas ou negadas. Então, fica mais difícil usar cargos e empregos públicos como moeda eleitoral.

No entanto, prestar concurso público não é o bastante para garantir a não interferência ou o uso eleitoreiro dos cargos e empregos públicos. É necessária a estabilidade no serviço público, que embora não seja absoluta, é suficiente para dissuadir administradores desonestos a demitirem servidores que não o apoiem explicitamente para tentar colocar em seus lugares apoiadores, mesmo via concurso público.

No setor privado, a meritocracia também existe, embora não seja explícita, em muitos casos. Muitas empresas promovem várias atividades que visam a contratação das pessoas com os melhores perfis para suas vagas. Entre essas atividades está a entrevista, a análise do currículo, o período de experiência.

E essa prática e ideologia pode se estender dentro das empresas, pelo estabelecimento de critérios objetivos para promoções e aumento de salário por exemplo. Uma forma simples de meritocracia dentro de uma loja de venda de roupas é a comissão do vendedor. Obviamente, os melhores vendedores conseguirão um valor maior em comissões que seus colegas que vendem menos.

O não uso da meritocracia, no setor privado, ocorre quando um parente do proprietário assume uma diretoria, quando havia pessoas com mais experiência e qualificação na empresa do que o dito-cujo.

Quando se usam critérios subjetivos, do tipo “eu fui com a sua cara” ou “dou o queijo para os de casa”, não se está usando a meritocracia. Quando se está simplesmente comparando pessoas em situações desiguais, está-se distorcendo a meritocracia.

O segundo caso ocorre claramente na seleção de candidatos às vagas nas universidades públicas, onde os alunos que vêm de famílias bem estruturadas financeiramente e, por isso, tiveram acesso a uma educação de melhor aproveitamento, normalmente garantem suas vagas em cursos como medicina, engenharias, ciências da computação, direito, etc. Para os alunos cuja educação ofertada foi precária e de pouco aproveitamento, quando muito, restam as vagas de cursos que somente pessoas com a vida financeira já garantida poderiam querer ocupar por hobby. (Desculpe-me por essa sinceridade).

Por causa dessa distorção, fez-se a aposta no sistema de cotas, adorado por uns e odiado por outros. O sistema de cotas não é a solução perfeita para corrigir as distorções na sociedade brasileira, mas ela é o que resta de viável para a mitigação dessas distorções.

É bom lembrar que algumas pessoas, seja por uma visão curta e superficial ou pelo mero mau-caratismo, usam o jargão “querer é poder” ou “quem quer de verdade chega lá”. Essas afirmações, normalmente se baseiam em exceções. Exceções costumam ocorrer com pessoas excepcionais ou sob situações peculiares. Quem conhece a matemática, pelo menos um pouco, sabe que não podemos partir de um exemplo e generalizar. É o contrário. Precisamos de um resultado generalizado e, então, apresentamos um exemplo dele. Citar pessoas excepcionais ou sob situações peculiares para provar uma tese não faz o menor sentido.

Ainda sobre a aprovação para vagas muito concorridas nas universidades, temos exemplos de pessoas que não vinham das famílias com boa estrutura financeira, mas que os pais, numa postura excepcional de pais com pouca ou nenhuma escolaridade, dedicaram suas vidas à educação do filho ou da filha, criando condições peculiares para que ele ou ela se preparasse de forma adequada para os exames como ENEM, ou outro vestibular.

Também há casos em que alguém, mesmo sem esse apoio e sob condições muito adversas, conseguiu “chegar lá” por excepcionalidade.

As cotas que são usadas nesta geração talvez sejam desnecessárias na terceira geração, mas justamente pela sua adoção hoje e jamais pelas exceções, que servem para elencar os exemplos dos que se opõem ao sistema de cotas.

Voltando ao caso do comércio, o exemplo da comissão sobre as vendas é muito claro. Duas vendedoras trabalham as mesmas oito horas por dia em uma mesma loja. Para facilitar nossa leitura, vamos chamá-las de Maria e Alice. As duas entram às oito da manhã no trabalho, têm um intervalo de duas horas e saem às dezoito horas. Alice, depois de almoçar, entra em contato com algumas de suas clientes, que a autorizaram a isso, mostrando novidades e promoções na loja. Maria passa o restante do intervalo do almoço vendo vídeos engraçados no Tik Tok ou jogando Macth 3. Depois do expediente, Alice faz cursos de aperfeiçoamento em vendas e relações interpessoais. Maria vê a novela das sete, das nove e das onze, depois dorme pesadamente até o dia seguinte.

Como resultado exclusivo de suas respectivas posturas, Alice faz quase o triplo das vendas feitas por Maria. Se não houvesse a comissão, certamente não seria justo que as duas, ao fim do mês, recebessem o mesmo valor em pagamento.

Por outro lado, o mesmo estado que adotou a meritocracia no serviço público e diz ter como um de seus objetivos a diminuição de desigualdades, inclusive com o estabelecimento de cotas em universidades, por exemplo, é o estado que penaliza Alice. Como? Explico. No meu exemplo, Alice ganha um salário comercial, de R$ 1.455,67, assim como Maria. Com as comissões, Maria chega a ganhar até R$ 1.900,00. Alice, supera esse valor, chegando a R$ 2.800,00. Daí, enquanto Maria é isenta do imposto sobre a renda, Alice precisa entregar ao fisco algo em torno de R$ 66,00. Como a diferença de salários das duas não é grande o suficiente para que elas tenham padrões de vida muito distintos, esse valor pago representa o avesso da meritocracia, isto é, a penalização da mais esforçada. Além disso, Maria não tem obrigação de preencher a enfadonha declaração anual de imposto de renda; Alice, sim.

Como foi possível observar, a meritocracia é um processo que pode promover justiça e mitigar desigualdades, quando aplicado de forma racional, considerando os diferentes pontos de partida de e caminhos de cada pessoa.

No entanto, a sua distorção pode acarretar o inverso da justiça, reforçando os fatores que alargam as desigualdades sociais. Pior ainda, no lugar de um mecanismo justo de distribuição de recompensas, temos um embuste para a aristocracia, que perpetua sua condição privilegiada sob a sombra de uma meritocracia distorcida em seu favor.


Bibliografia

BARBOSA, L. Meritocracia e Sociedade Brasileira. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 54, n. 1, 2014. Disponível on-line em <http://www.fgv.br/rae/artigos/revista-rae-vol-54-num-1-ano-2014-nid-48286/>, acessado aos 5 de dezembro de 2021.

BASTOS, P.P.Z., FONSECA, P.C.D. (Orgs.). A Era Vargas: desenvolvimento, economia e sociedade. Editora Unesp, São Paulo, 2012.

LEMOS, A.H.C., DEBEUX, V.J.C., PINTO, M.C.S. Empregabilidade dos Jovens Administradores: uma questão meritocrática ou aristocrática? Brazilian Business Review, v. 8, n. 1, Vitória – ES, jan – mar, 2011, p. 94 – 115.

NICOLAU, P.M. O Início da Meritocracia no Brasil. Blog wegov, 13 de maio de 2015. Disponível on-line em <https://wegov.com.br/o-inicio-da-meritocracia-no-brasil/>, acessado aos 5 de dezembro de 2021.

SIMIONI, R. L. A Sublimação Jurídica da Função Social da Propriedade. Lua Nova: revista de cultura e política, ISSN 1807-0175, n. 66, São Paulo, 2006.



sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Sobre o Vídeo Ladrões de Gravata

 Já faz algum tempo, causou polêmica um vídeo publicado por um investidor revoltado com o fato de precisar entregar parte do seu patrimônio para o Estado. O vídeo foi considerado ofensivo pelo pessoal da receita federal brasileira, pois as acusações eram realmente sem precedentes, pelo menos de forma pública e escancara como foi no caso do vídeo.

Entraram na justiça para retirar o vídeo de circulação. Deu em nada. A justiça deu causa perdida. O pior é que o vídeo foi replicado por vários outros canais e em redes sociais pelos admiradores do autor do vídeo. Aliás, o mesmo ficou conhecido como o homem que desafiou o estado brasileiro.

A postura do autor, chamado pela receita de sonegador, segue a seguinte linha de raciocínio: o estado não planta, não colhe, não constrói, não compra, não vende, mas ganha o tempo todo, de todos, não importa se há lucro ou prejuízo, todos devem entregar parte do seu patrimônio para o estado. Em troca, o estado promete segurança, mas o/a cidadão/cidadã precisa pagar seguro contra furto e roubo, pagar por vigilância privada, por cerca elétrica, por câmeras de segurança, e até por seguro de vida (ou principalmente, dado o nível de violência nas cidades e no campo). O estado também promete saúde gratuita para todos, mas a quantidade de pessoas que realmente acessa esses serviços de saúde é ínfima diante da quantidade de dinheiro entregue ao estado. Vemos filas para cirurgias urgentes, atendimento em corredores, e toda a sorte de bizarrices no atendimento do pujante sistema público de saúde. O estado também promete educação, mas o que entrega é somente um arremedo de educação, usando números fabulosos em termos de quantidade para desviar a atenção da qualidade.

Não pense que vou defender mais tributação sobre as pessoas mais ricas por causa da seguinte opinião: o mais grave, quando se fala em tributação no Brasil, é que quanto mais baixa a renda de um/a cidadão/cidadã, mais impostos, de forma proporcional, ele/ela paga.

Impostos como ICMS, ISS estão presentes no cotidiano de todas as pessoas, seja de forma direta ou de forma indireta. A forma indireta aqui pode ser vista como as pessoas que consomem produtos e serviços que são pagas por uma outra pessoa, ou quando não há emissão de uma nota fiscal numa transação, mas que o recolhimento de um imposto já tenha sido feito em uma transação anterior.

Esses impostos têm alíquotas que transformam o estado em um sócio de todas as empresas. No entanto, é o tipo de sócio que se sua empresa falir ele simplesmente o abandona,  não abre mão de receber o que, por acaso, ainda estiver pendente de pagamento.

Ainda temos os impostos de importação e exportação, impostos sobre produtos industrializados, imposto sobre propriedade de veículo automotor (exceto jatinhos e lanchas – se eu fosse juiz e tivesse jatinho e lanchas…), imposto sobre propriedade urbana, imposto sobre propriedade rural… Uma infinidade de impostos e taxas. Por falar em taxa, temos a famigerada taxa de iluminação pública, que é uma verdadeira aberração tributária.

Diante tantos tributos, é natural que muitos cidadãos e cidadãs se sintam sufocados pelo estado, vendo o resultado de seus esforços repartidos quase que ao meio com o estado que quase nada lhes oferece em troca.

No entanto, podemos piorar as coisas. Imagine que você paga um tributo e o fisco, digamos, finge que você não pagou. Se isso acontecer, ele estabelece uma multa pelo atraso e, enquanto você não paga de novo pelo mesmo tributo ou provar que você já havia pago, sua situação fiscal ficará pendente, causando-lhe uma série de aborrecimentos.

Vamos a um caso real. O meu, é claro. No ano de 2020, mais especificamente em dezembro, correu um fato gerador para um tributo que deveria ser pago via Documento de Arrecadação de tributos Federais, mais conhecido como DARF.

Atualmente, a receita federal brasileira mantém o serviço on-line de geração desse documento. Ou seja, um tipo de software on-line no qual se preenchem os dados do contribuinte e do tributo.

Depois de gerar esse documento, vi que o mesmo não tinha código de barras, ou outro tipo de código que permitisse o pagamento on-line. Precisei me dirigir até uma agência física, levando a folha impressa com os dados do DARF impressos. Chegando lá, fui orientado a usar o caixa eletrônico do banco. Achei a opção para pagamento do DARF. Como falei, o documento que levei impresso não continha nenhum código que identificasse aquele documento de forma inequívoca e única, como um QR-Code ou algo assim. A tela da máquina mostrava apenas os mesmos campos solicitados no site para geração on-line, ou seja, era como se eu estivesse criando outro DARF.

Preenchi os dados sobre o tributo e apertei a tecla de confirmação. Nesse momento, a máquina pediu apenas a minha senha e nada mais. Tudo bem, afinal, o dinheiro sairia da minha conta, então, naturalmente seria fácil identificar o contribuinte, claro… Só que não. Foi justamente esse momento que me fez sentir, depois, como se tivesse sido vítima de um furto.

O furto ocorre quando um valor lhe é subtraído sem que a vítima perceba.

O pagamento foi feito, mas para a receita federal brasileira eu não paguei. Por quê? Porque o sistema instalado na máquina, que obviamente não é de minha responsabilidade, permitiu que eu pagasse sem informar o meu CPF.

Quem é programador sabe que é elementar criar uma validação para campos. Você já deve ter tentado enviar um formulário e recebido um aviso informando que um campo obrigatório não foi preenchido. Pois isso é uma condição chamada validação de campo, que é mais ou menos como se o sistema verificasse o que você escreveu e conferisse com um gabarito geral e, assim, liberasse o envio do formulário.

Neste momento, na minha cabeça, surgem algumas perguntas. Por que essa validação não ocorreu no sistema para pagamento de um tributo, coisa da mais alta seriedade, quando isso é muito fácil de fazer para qualquer programador? Se qualquer programador iniciante sabe criar uma validação de campos, os responsáveis pela criação daquele sistema teriam sido orientados a deixar sem validação? E qual seria a intenção por trás dessa não validação de um campo essencial como a identificação do contribuinte?

Com tudo isso, no comprovante de transação bancária está explícito o código do banco, o número da agência e da conta pagadora, que está vinculada ao CPF de quem pagou, obviamente. Mas por que essas informações foram desconsideradas pela receita federal brasileira?

Eu descobri que é possível retificar um DARF. O procedimento é chamado de REDARF. Basicamente, o contribuinte preenche um formulário em duas vias e o submete ao fisco para que este defira ou não a mudança. A mudança do DARF pago pode ser do CPF do contribuinte, das datas de pagamento, do código de pagamento, etc.

No caso de mudança de CPF, obviamente, o portador do CPF que consta originalmente no documento deve declarar sua anuência, no mesmo formulário.

E o que acontece se no DARF não constar o CPF de ninguém?

Vamos especular um pouco: teoricamente, ninguém precisa assinar a anuência, concorda? O que pode ser uma fonte de fraude em que pessoas com informações privilegiadas poderiam simplesmente transferir os valores associados ao DARF sem identificação do contribuinte para o CPF de um laranja. Mas quem conseguiria tantos números de CPF de modo a cometer essa fraude sem que fosse descoberto? Fraudadores que tenham um amplo conhecimento desses cadastros de pessoas físicas.

Voltando ao meu caso, o que aconteceu foi que minha restituição de imposto de renda ficou retida. Acessando o site da receita federal, vi que se tratava desse tributo, já acrescido de uma multa, claro. Em meio as informações confusas e em letras miúdas do site, vi que poderia usar a própria restituição para quitar o débito que eu não tinha, para que o restante da restituição fosse liberada. Foi isso que fiz.

Depois, pesquisei no site do fisco como eu poderia apresentar o comprovante de transação bancária, para que o equívoco fosse reparado. Veja bem, aqui minha preocupação é menos com os valores do que uma questão de honra. Paguei por uma multa e duas vezes o mesmo tributo, tudo por uma falha no sistema, que não faz validação de campo o que, na minha opinião, é feito de propósito, para prejudicar o contribuinte e tentar arrancar dele valores acima dos já estabelecidos por lei, ou para fins menos honrosos.

Entrei no atendimento via chat e recebi uma colagem de texto na tela, com quase três páginas de letras miúdas…

Com muita dificuldade, agendei o atendimento presencial. Chegando na portaria fui informado que o agendamento é virtual, mas para entrar eu precisaria imprimir da internet o comprovante de agendamento, ou seja, eles não querem verificar o agendamento pelo famigerado número do CPF. Paguei R$ 5,00 para imprimir ali perto, além de compartilhar dados pessoais com o funcionário do local.

Entrei faltando cinco minutos para meu horário agendado. Fui para um salão de espera e descobri que outras pessoas já estavam lá aguardando pelo atendimento que era feito com mais de uma hora de atraso com relação ao agendamento. No meu caso não foi diferente. Passei exatos 63 minutos para sentar diante de uma servidora que olhou meu comprovante de transação bancária e me disse que ali nada podia ser feito…

Deu-me mais uma lista de instruções para que pudesse fazer o REDARF e, caso meu requerimento fosse aceito, o valor seria descontado no próximo exercício, isto é, no ano seguinte, caso eu esteja vivo e faça a declaração de imposto de renda.

Preenchi os formulários e fui para a internet tentar agendar o serviço. Surpresa: não tinha nenhum horário de nenhum dia disponível até o fim do ano.

Essa foi a minha saga até aqui para provar que nunca devi nada aos… Não, não vou manchar minha escrita me referindo ao sistema como o fez o o sujeito do vídeo. Mas é com um profundo desapontamento que finalizo esse texto.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

O Sócio Caro: impostos e qualidade do serviço público

 Que os serviços pagos pelo Estado estão sempre sob diversas suspeitas, e muitas vezes sob muitas certezas, é um lugar-comum. Mas não é apenas o preço em dinheiro que devemos levar em consideração. Acredito que o preço mais caro que estamos pagando é receber serviços de qualidade muito inferior ao que pagamos.

Usarei como exemplo os Departamentos de Trânsito, mas você pode achar o mesmo padrão em praticamente todos os serviços oferecidos pelo Estado.

No caso dos DETRANS, comecemos pelo IPVA. No Ceará, por exemplo, as alíquotas estão associadas à potência do motor. Quanto mais potente o motor, maior a alíquota. A relação entre a potência do motor e a alíquota só pode ser explicada por magia, então nem me darei o trabalho de discutir isso. Vamos ver a descrição de tal imposto: Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores. O imposto não está vinculado a nenhum serviço. Tudo conforme a lei, que é clara em seu princípio de não vinculação, uma sacada genial que, resumidamente, diz o seguinte: eu arrecado e faço o que eu quiser com o dinheiro do contribuinte, inclusive bancar o aumento do meu próprio salário e dos meus servidores.

Daí, você olha o estado de conservação das ruas e avenidas, das rodovias estaduais, na quantidade de roubos e furtos executados e na ínfima quantidade resolvida, e chega à conclusão de que tem algo muito errado. O Estado diz que você tem o direito de propriedade, mas não consegue o proteger dos ladrões de carro, fazendo com que você se sinta obrigado a pagar um seguro contra roubo e furto. Ou seja, você paga ao Estado, mas é obrigado a pagar mais ainda para ter o seu direito realmente garantido.

E quando você danifica um pneu ou amortecedor em um buraco, as peças e serviços ainda têm o ICMS e o ISS para você pagar. Você pode estar pensando: mas o Código de Trânsito Brasileiro é claro em responsabilizar o ente com jurisdição sobre a via e garantir a indenização. É verdade. Você precisa apenas:

  1. tirar fotos do local, do buraco, do seu veículo;

  2. conseguir testemunhas que se disponham em confirmar a ocorrência;

  3. registrar um boletim de ocorrência;

  4. fazer um orçamento do serviço em, pelo menos, dois lugares;

  5. guardar todos os recibos e outros documentos que comprovem o custo;

  6. procurar o canal próprio do órgão responsável – se houver – ou o juizado especial;

  7. e esperar, esperar e esperar.

Quanto tempo e energia você está disposto a perder com isso? Valerá a pena tanto esforço? Quantas pessoas simplesmente arcam com o prejuízo sem fazer com que o Estado pague pelo dano causado?

Não sei na sua cidade, mas, em Fortaleza-CE, há buracos com, no mínimo, doze anos de existência. Doze anos equivale a três trocas de prefeito, ou duas em caso de reeleição. É muito tempo causando prejuízo e expondo o cidadão ao risco. Nas rodovias há os problemas crônicos, igualmente provocando prejuízos financeiros e, muitas vezes, custando vidas.

Ainda falando de veículos, o Estado emite um documento, cobra caro por isso, mas isso não evita a clonagem de veículos em número absurdo – segundo o portal G1, em 2009, 37 mil carros clonados de 370 mil carros roubados por ano, no Brasil. Em 2010, o portal de A Gazeta do Povo, denunciou uma quadrilha que tinha acesso ao banco de dados do Detran, produzindo documentos falsos de altíssima qualidade.

O Projeto de Lei 3.267/2019 prevê o prazo de validade de dez anos para a renovação da carteira nacional de habilitação para condutores comuns (não profissionais do trânsito). Embora alguns aleguem que isso deixa o trânsito menos seguro, temos certeza de que não é essa renovação de quatro em quatro anos que faz o trânsito um lugar seguro. A principal diferença para o Estado é que em vez de arrecadar dez vezes do mesmo contribuinte em quarenta anos, arrecadará apenas quatro vezes. E diminuição de arrecadação para um Estado inchado é sempre uma preocupação.

Além de dinheiro, o Estado consome algo mais valioso do cidadão: tempo. Quanto tempo demora um processo de renovação de carteira com as informações imprecisas, pouco claras e um atendimento claudicante?

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, segundo o portal Diário do Comércio, é o imposto de maior peso dentre o emaranhado de impostos pagos pelos cidadãos. As alíquotas variam de 17% a 30%. A ração do seu animalzinho de estimação, por exemplo, tem alíquota de cerca de 20% e a gasolina, cerca de 30%, no estado do Ceará.

Há vários outros impostos e, como você sabe, nossa carga tributária é realmente uma das mais altas do mundo. Isto é, pagamos caro pelos serviços do Estado. Mas, olhando para a qualidade dos serviços, vemos que estamos pagando muito mais caro do que gostaríamos.

A verdade é que temos um sócio, mas esse sócio nos entrega muito menos do que deveria. Infelizmente, não podemos simplesmente desfazer essa sociedade que vem nos dando prejuízo.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Eu, Avaliador

 Sempre que me presto ao papel de avaliador, seja de um produto, serviço, candidato, etc, pergunto-me primeiro: tenho algum envolvimento emocional com o ente avaliado?


Se a resposta for sim, tenho certeza de que meu julgamento estará prejudicado e, por razões éticas, abstenho-me de proceder à avaliação.

Uma avaliação influenciada pela emoção não é apenas ruim para o ente avaliado, como também para os que farão uso dessa avaliação e ainda para o próprio avaliador.

Um avaliador guiado pela emoção facilmente se desvia da razoabilidade, promovendo ou depreciando de forma irresponsável o ente avaliado.

Se tem sentimentos positivos em relação ao avaliando (seja um produto, um serviço ou uma pessoa), elevará seu valor. Ao contrário, se são negativos, depreciará o avaliando.

Dessa forma, a avaliação equivocada pode levar outros a tomarem decisões igualmente equivocadas, como comprar um produto ou serviço ruim, deixar de comprar um produto ou serviço bom, contratar um profissional com habilidades aquém do esperado ou deixar de contratar um profissional com habilidades além do desejável.

O avaliando é prejudicado por perder a chance de entender suas fragilidades e trabalhar sobre elas, quando é erroneamente supervalorizado, ou perder uma oportunidade, quando seu valor é diminuído com base na emoção do avaliador e não nos fatos.

Por último, o avaliador se prejudica, pois outros avaliadores o porão sob suspeita, até que todos descubram a predominância de suas emoções sobre seus julgamentos e a sua credibilidade desapareça.

Outra pergunta importante é: quem sou eu para avaliar esta pessoas, este produto ou serviço? Neste caso, verifico minhas qualificações (técnicas, científicas, etc). Por exemplo, quando avaliado um livro, sei que sou um bom leitor e tenho um histórico de leitura de milhares de páginas de todos os gêneros mais conhecidos. Se é um texto de matemática, verifico se tenho expertise naquela área especificamente. Se for uma máquina, preciso saber qual é o meu nível de entendimento técnico daquilo, e assim por diante.

Sem essa verificação, não estarei avaliando, mas simplesmente emitindo uma opinião, provavelmente sem nenhuma base que mereça a credibilidade de uma avaliação.

Portanto, se você vir uma avaliação minha por aí, seja de produto, serviço, etc, saiba que ela é a mais justa que foi possível naquele momento.

Um abraço! E até breve!