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domingo, 24 de julho de 2022

Lei do Ceará prevê Demissão de Servidor Público por Violência Doméstica

 Por Marcos Pinnto *


A violência doméstica no Estado do Ceará é um problema grave e vergonhoso, que nos causa asco o simples fato de pensar nela. Na busca de soluções, muitas decisões são tomadas num ritmo de urgência que impede a reflexão adequada para o tema.

Exemplo disso é a inclusão explícita no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Ceará (ESPEC) da violência doméstica como um dos casos que culminam na demissão do servidor. Essa inclusão pode causar dano irreparável às esposas de servidores que venham a se envolver nessa situação.

Uma mulher que venha a sofrer violência física ou psicológica por parte de seu companheiro ou companheira, caso este ou esta seja servidor público do estado do Ceará, e que não tenha renda própria, sentir-se-á coagida por esse novo dispositivo legal.

Ela deverá pensar: se eu o/a denuncio, ele/ela perderá o cargo público. Quem sustentará a mim e a meus filhos?

Quem legislou assim, obviamente não pensou muito além do primeiro instante, que é de satisfação por achar mais um meio de "cercar de proteção a mulher".

Esperar que alguém que está inserido no serviço público estadual possa encontrar rapidamente uma outra posição no mercado de trabalho é, no mínimo, fantasioso. Pior ainda se pensarmos em obter um salário que esteja ao menos próximo dos generosos salários pagos pelo estado do Ceará.

Para quem está na iniciativa privada, entrar no serviço público depende apenas de passar em uma bateria de provas. Mas para quem já está no serviço público, entrar na iniciativa privada é muito difícil, por vários motivos.

O primeiro motivo é a imagem que se criou sobre o funcionalismo público brasileiro de uma maneira geral, herança justa da própria aparição dessa figura no contexto histórico do país (leia Visão do Paraíso para uma visão ampla sobre isso). O servidor público, federal ou estadual, é representado nos meios de comunicação como preguiçoso, viciado em corrupção e dotado de tantos outros vícios (por exemplo, na série Os Aspones), além de serem, segundo a crença da maioria, premiados com regalias infinitas (veja o artigo artigo_1). Qual empresário bom do juízo contrataria alguém retratado dessa forma?

O segundo motivo é que os benefícios e nível salarial é muito difícil de ser igualado pelo setor privado, na maioria das funções similares.

O terceiro não necessariamente ocorre com todos, mas com muitos: a função na qual o sujeito se especializou simplesmente não existe no setor privado. E nem estou falando aqui do que se chama "Carreira Típica de Estado", como aborda o artigo disponível em artigo_2.

De qualquer forma, no pior cenário, o indivíduo ficará sem renda, podendo ser preso pelo não pagamento de pensão. No melhor cenário, arranjará uma fonte de renda muito inferior, que não será suficiente para manter o próprio padrão de vida, muito menos de sua antiga companheira e filhos.

Esta inclusão descuidada no ESPEC pode deixar a mulher vítima de violência doméstica diante de um dilema: denunciar e ficar sem sustento para si e para os filhos versus calar-se para garantir seu sustento e dos filhos, como tantas fazem.

Assim, cabe a pergunta: esta lei veio para proteger a mulher ou para servir de entrave a uma denúncia?


* Professor, escritor e desenvolvedor de games e aplicativos.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Vende-se um voto

 No Brasil de 2022, é ano de eleição presidencial. Também elegeremos governadores de estado, deputados estaduais, federais e senadores. Apesar de as eleições municipais serem muito importantes, a eleição presidencial está no topo da relevância para o país.

Ao longo da história de nossa democracia, há diversas histórias sobre venda de votos (algumas inventadas, outras não). Também tivemos (e talvez ainda tenhamos) o voto de cabresto. No primeiro caso, o eleitor promete votar em um candidato desde que receba alguma vantagem, imediata ou duradoura. No segundo, o eleitor se sente obrigado a votar em determinado candidato, temendo alguma represália por parte de alguém com poder de lhe causar algum dano.

Uma vantagem imediata pode ser uma nota de 100 reais, de 50, de 10, de 5 ou de 2, dependendo da região do país, da cidade, do bairro. Se você pesquisar um pouco, vai encontrar o caso do refresco no caminho das urnas. Eu explico: conta-se que, em certo município, um candidato construiu um tanque no caminho para as urnas, encheu de refresco e fez a boca de urna mais refrescante do país.

Uma vantagem duradoura pode ser um cargo de confiança, uma concessão ou uma simples posição no futuro gabinete do candidato.

Mas não é essa venda, digamos, direta, que me interessa aqui. O tipo de venda de votos que estou interessado é a venda indireta, por meio de atravessadores, disfarçados de militantes, apoiadores, entre outros.

Não critico o militante genuíno. Este é sincero, acredita na sua ideologia e, principalmente, acredita naqueles que estão à frente na representação dessa ideologia. Tampouco critico o apoiador sincero, o que usou sua capacidade de julgamento de forma sincera e acredita que aquele a quem apoia é a melhor escolha para sua comunidade, para a sua sociedade, para o seu povo.

Infelizmente, há os falsos militantes e os apoiadores da causa própria. São pessoas egoístas, que longe de pensar no bem do povo, estão pensando no próprio bem e no de seus familiares e amigos mais próximos.

Esses tipos são os mais perigosos para a democracia, pois são levianos, hábeis manipuladores da informação, distorcendo fatos, descontextualizando falas, reeditando vídeos, entre outras atividades temerárias.

O pior é que essa turma está difusa em diversos meios. Não é difícil encontrá-los nos meios de comunicação, redes sociais, escolas, universidades, feiras, cafés, grupos em aplicativos de celular, entre outros. A forma como distorcem a realidade nesses meios é vergonhosa, mas para quem os observa, pois eles mesmos são imunes ao pejo.

Os ingênuos os veem como militantes ou apoiadores verdadeiros. Mas assoprando bem a nuvem de fumaça em que envolvem suas ações, podemos enxergar suas intenções egoístas. Seus esforços medonhos, nos quais transparece a mensagem de que os fins justificam os meios, não são altruístas como querem fazer parecer. Na verdade, são objetivos egoístas envoltos numa manta de bondade coletivista.

Gritam pelos problemas do povo, mas estão apenas interessados nas vantagens indiretas que podem conquistar a partir de determinado resultado. O que é melhor para o povo, de fato, não importa, o que importa é garantir a sua fatia do bolo, mesmo que esse bolo venha sujo com mentiras, trapaças, acusações falsas.

Não é difícil reconhecer um falso militante ou um apoiador da causa própria. Basta ver a inconsistência do discurso, a má-fé ao disseminar mentiras, a hipocrisia no discurso a favor do povo.

Para nosso azar, de forma quase imperceptível, essa corja vem conseguindo atingir seu maior objetivo: induzir a parte ingênua do povo a votar em quem ela quer.



Marcos Pinnto é professor, escritor e desenvolvedor de jogos e aplicativos. 

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