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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Do que um comerciante precisa para se diferenciar no Brasil

Você já se sentiu enganado ao comprar alguma coisa em uma loja, supermercado ou outro ponto de venda? Acredito que, pelo menos uma vez, você tenha se sentido assim. Nas outras vezes, certamente você não percebeu ou simplesmente não quis pensar sobre o assunto. O fato é que, tenho uma sensação muito forte de que, se não for o aparato legal e institucional além de uma concorrência minimamente pronta para assumir o posto de substituto, certos comerciantes simplesmente descambariam para a mais pura roubalheira de todos os tipos.

A visibilidade das pessoas comuns na internet viabilizou a chegada ao nosso conhecimento de muitas maracutaias, dos mais diversos tipos, e podemos encontrar com uma simples busca, no Google, Bing ou outro buscador, casos que, pela bizarrice, podem até causar incredulidade.

Vamos começar pelo que chamo de pré-roubo dos cofres públicos. Isso mesmo que você pensou: a velha e péssima sonegação do ICMS, mas não é uma sonegação partilhada, daquela que o comerciante desconsidera os, digamos, 40% de alíquota e dá isso de desconto para o cliente. É daquele tipo mais profissional, na qual o comerciante emite até nota fiscal, fria, obviamente, recolhe da mão do cliente os 40% e enfia no próprio bolso. Não, a sonegação compartilhada também não é bonita, a menos do ponto de vista anarquista e revolucionário, como forma de protesto, uma desobediência civil. Mas aquela isolada, para beneficiar dois particulares envolvidos, não tem nenhum pouco do meu apoio ou solidariedade.

Não faz muito tempo (ou até faz e minha memória está me traindo), uma reportagem em uma emissora de TV dava conta de uma empresa que, para sonegar o pagamento de ICMS, utilizava um artifício engenhoso de logística. Mas tal artifício levou anos para ser descoberto, depois de muita investigação.

Imagine quantos outros esquemas de sonegação não há espalhados pelo território nacional.

Mudando o foco para o consumidor, com certeza você já ouviu falar de pessoas que receberam tijolos em caixas de celulares em vez de celulares, ao comprarem em alguma loja pela internet. Antes de que você pense que são lojas feitas só para fins de golpes, que de fato há, existem muitos casos envolvendo grandes nomes do comércio eletrônico.

Eu mesmo fui roubado, em tempo e sossego, por um desses grandes nomes do comércio eletrônico. Pesquisei um bocado sobre preços de alguns modelos de celulares que estava disposto a comprar. No aplicativo da loja, vi um dos modelos que me interessava pelo melhor preço entre as concorrentes. A entrega era para, no máximo, 24 horas. Ponderei um pouco e resolvi fechar negócio. Já havia comprado nessa loja, vários produtos, até mais caros que aquele celular, e eles sempre chegaram antes da data prevista.

Para minha total surpresa, no dia da entrega, uma moça liga para mim, final de tarde e me pergunta se eu havia comprado um celular com tais configurações na loja tal. Que ela era funcionária da loja e queria confirmar meus dados. Achei estranhíssimo porque a loja tem o endereço, sabe qual é o produto, recebeu o pagamento e, de repente quer confirmar meus dados. Por quê? A moça então falou: seu CPF é ***, dando os três primeiros dígitos do meu CPF. Eu apenas disse está certo, esses são os três números do meu CPF.

A moça insistiu para que eu falasse meu CPF completo e eu informei que, por uma diretriz pessoal, eu não costumo dar meus dados por telefone, ainda mais para quem liga para mim os pedindo. Ela então informou que a entrega só poderia ser feita se eu confirmasse meus dados. Ora! Para quê? Se fosse na porta da casa, por conta da entrega, é natural que o entregador peça para assinar uma nota de recebimento e um documento de identificação. Mas ligar para o cliente pedindo para confirmar dados que a loja possui até mais do que o próprio cliente, isso me cheirava a golpe, com toda a certeza.

No dia seguinte, um homem ligou com a mesma história da confirmação de dados e que não faria a entrega se eu não desse os dados por telefone. Fiquei nervoso com aquilo. Como uma loja até então conceituada, uma gigante no comércio eletrônico, deixa vazar meus dados para que alguém me importune dessa forma?

Uma vez que o celular ainda não tinha sido entregue, decidi entrar no aplicativo e cancelar o pedido. Foi cancelado, mas a cobrança veio na fatura do cartão. Pior, a loja me enviou um e-mail pedindo a devolução do celular que ela nunca entregou. Depois de uma reclamação, um representante da loja afirmou que o valor seria estornado na próxima fatura. Não foi. E ainda me pediram de volta o celular que nunca chegou às minhas mãos!

Diante de tamanho desrespeito, sentindo-me traído e enganado, não tive outra saída a não ser entrar na justiça contra essa gigante do comércio eletrônico, que aliás já possui um número enorme de reclamações, inclusive casos piores que o meu.

Agora, imagina uma loja que faz o mínimo: cumprir os prazos de entrega, entregar o que foi comprado, respeitar a privacidade do cliente. Se uma loja fizer isso, já sai na frente de quase todas.

Então, para se diferenciar no Brasil, um comerciante precisa apenas ser leal com seus clientes e com o estado. A lealdade é infinitamente mais importante do que a fidelidade. Fidelidade vem de um interesse externo. A lealdade é um valor intrínseco. No meio de tantos comerciantes desleais em tantos sentidos, quem demonstrar lealdade arrasta os clientes dos outros.