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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Escola: A Qualidade e o Marketing

Faz alguns anos um professor meu contou uma história que para mim foi marcante e me fez pensar sobre o poder do marketing em vários setores da nossa vida.

Disse ele que foi pedir aumento no colégio em que lecionava e o diálogo foi mais ou menos o seguinte:

(Professor) - Já faz alguns anos que leciono aqui e o senhor já conhece a qualidade do meu trabalho, portanto, vim pedir um aumento, que considero justo, como falei pelo tempo e pela qualidade de minhas aulas.

(Diretor) - Ah, é aumento professor? A gente não tá dando aumento pra ninguém não professor, nem pra mim, pro senhor ter uma ideia.

(Professor) - Olha, eu vim pedir o aumento porque eu gosto do colégio e queria continuar aqui, mas recebi proposta de outro colégio que financeiramente é mais interessante. Mas não queria sair antes de dar a oportunidade de o senhor cobrir a oferta do outro colégio.

(Diretor) - Certo professor. Eu agradeço a sua atenção, mas infelizmente não temos como dar aumento pra ninguém. Nosso colégio reconhece a sua qualidade, mas não vou nem perguntar quanto lhe ofereceram. Pelo jeito vamos precisar contratar outro professor.

(Professor) - O senhor sabe como professor de física é difícil de encontrar, não sabe?

(Diretor) - Sei professor, mas se eu colocar um anúncio hoje, amanhã chove de currículo aqui na porta.

(Professor) - É, mas tem que ver a qualidade...

(Diretor) - Ah, professor, qualidade a gente faz aqui.

"Qualidade a gente faz aqui". Isso deixou bastante claro o que um dos colégios de mensalidade mais cara da cidade faz: usa um marketing agressivo para vender a imagem de qualidade, ignorando a discrepância entre o que o marketing diz e a realidade.

Não é de admirar que muitos alunos saiam desse dito colégio (aliás, de muitos outros também) com dificuldade de leitura, uma escrita sofrível e conhecimentos de ciências exatas quase nulos. É a qualidade bancada pelo marketing.

É realmente muito bonito selecionar alguns gatos pingados para mostrar para pais ansiosos pelo sucesso dos filhos e convencer-lhes a transferir boa parte de seu patrimônio para um colégio que promete fazer do filho um vencedor completo.

Mas quando esse aluno falha nos objetivos almejados, a culpa é exclusivamente dele, não é mesmo? Afinal, alguém com formação em uma área específica e com pós-graduação em algo mais específico ainda convence a todos que "aquele aluno não quer nada", o colégio é excelente, os professores são excelentes, mas "aquele pobre diabo que não passou para ser astronauta da NASA é que não quer nada na vida".

E o dinheiro? Esse está sendo muito bem empregado em viagens internacionais, carros de luxo, mansões, festas com estrelas, etc. Não se preocupe! O dinheiro que você entregou naquele colégio está sendo muito bem empregado.

E por falar em empregado, diga-se de passagem que naquele colégio de que o professor estava falando, uma zeladora trabalhava dez horas por dia por um salário mínimo e nem mesmo lhe concediam uma refeição digna (isso fui eu que apurei na época).

Quando na década de 1960 foi iniciado o sucateamento das escolas públicas e incentivada a proliferação das escolas privadas, tinha-se um alvo em mente: o mercado de educação. Quem é que vai deixar os filhos sem escola? Somente aqueles que realmente não tiverem a mínima condição de colocar-lhes na escola. Então, o Estado brasileiro cria um caos na educação pública e abre um enorme e lucrativo leque para a iniciativa privada.

Se essas escolas têm realmente qualidade ou não, para o Estado não importa, porque nem mesmo o papel de fiscal que lhe cabe é desempenhado como deveria.

Boas escolas privadas certamente existem, mas, para tantas outras é mais fácil fraudar exames do que realizar um processo de ensino-aprendizagem coerente. É mais barato pagar uma boa equipe de marketing do que pagar profissionais especializados em educação para aprimorar suas escolas. E ainda, é mais útil e lucrativo em todos os sentidos investir no marketing da escola do que nas condições de trabalho, de ensino, e de aprendizagem.

Precisamos aprender que para ser boa escola não precisa aparecer em outdoors, TV e rádio.  O que podemos fazer então é desconsiderar as campanhas de marketing e gastar um pouco mais de tempo vasculhando e investigando para encontrar boas escolas e assim tomar boas decisões que vão influenciar o nosso futuro e o futuro dos nossos jovens.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O VOTO VOCÊ PODE DAR

Você acha mesmo que "a culpa é do povo, que não sabe votar"?

Ela estava deitada no banco de alvenaria de um hospital público, após longa espera por uma ambulância. O corredor de espera era mal iluminado e com um aspecto sujo. O ambiente inteiro estava impregnado com cheiro de formol. Dezenas de braços, cabeças, pernas, vozes e suspiros se amontoavam naquele corredor. A infindável espera de quem procura alívio para o sofrimento é também uma dor.

No meio daquela celeuma, alguns reclamam e logo se ouve a "voz da verdade": "isso é porque você não sabe votar!".

Não, meus caros, a culpa pelo péssimo atendimento aos pacientes no hospital público não é do indivíduo que "não soube votar". A culpa pelo transporte público ruim, também não. A culpa pela segurança pública falida, não é. A escola sucateada com professores desmotivados, tão pouco é. Essa frase foi criada por alguém muito matreiro, com o intuito único da transferência de culpa.

E essa transferência de culpa é tão absurda como a que diz que uma mulher é culpada pelo fato de ter sofrido um estupro. A que diz que a mulher que apanha do marido é porque merece. A que diz que a vítima de assalto é culpada por ter sido roubada.

Obviamente, para pessoas com o mínimo de sensatez, comporte-se da maneira que se comportar, vista-se da maneira como quiser, uma mulher jamais será culpada pelo fato de um delinquente, alucinado, monstro, perseguir-lhe, encurralar-lhe e estuprar-lhe. Não é a mulher a responsável pelo crime hediondo de ter conjunção carnal à força com outrem. Essa transferência de culpa é inconcebível e deve ser rechaçada com veemência.

Se uma mulher sofre violência física ou psicológica de seu companheiro, não é ela a causadora dessa violência. Ela é vítima e não vale trocar o papel da vítima para minimizar o horror que é alguém mais forte subjugar o outro. Quem agride fisicamente uma mulher, não é porque ela é irritante, não é porque ela é infiel, não é por nada além do simples fato de que o agressor tem força física para fazê-lo.

Não é incomum depois de ter sofrido um assalto alguém ouvir de outro: "mas o que você foi fazer ali aquela hora? Você procurou", ou, "parece que estava pedindo para ser assaltado". Então, de acordo com essa lógica, o cidadão deve abrir mão do seu direito de ir e vir, obedecer a um toque de recolher velado, e trancar-se em sua própria casa, feito uma prisão particular, para que não venha a colocar-se em situação de sofrer um assalto. Visão infeliz essa.

Ora, a culpa pelo estupro é do estuprador! A culpa pela agressão é do agressor! Aculpa pelo assalto é do assaltante!

Não podemos admitir essa transferência absurda de culpa dos criminosos para as vítimas.

A mesma coisa ocorre com o voto. Corruptos se candidatam, vencem a eleição, praticam mandos e desmandos e a culpa é jogada no eleitor. É uma analogia com o caso do estuprador, do o espancador de mulher, do assaltante. O eleitor não tem meios de identificar o corrupto, tampouco de antecipar suas ações. O eleitor não tem como saber dos acordos de trocas de favores programados para depois da eleição. O que aparece nos jornais, nas campanhas publicitárias, nas campanhas eleitorais não é suficiente para prover o eleitor do conhecimento pleno de quem é o sujeito em quem ele está votando.

O que acontece de fato é que esse jargão que há muito foi popularizado é uma forma de manipulação da opinião e da atitude do povo. Implicitamente é passada a mensagem seguinte: "os serviços públicos estão ruins, há corrupção nos governos, mas o que podemos fazer é esperar as próximas eleições para resolver nossos problemas". Ou seja, quer-se, ao final, que o povo não reaja aos desmandos na política nacional, se conforme com uma educação de faz-de-conta, aceite um serviço de saúde público precário e muitas vezes assassino, suporte um transporte público coletivo de qualidade inferior e de eficácia duvidosa, tolere uma segurança pública caótica e permita a atuação recorrente de corruptos nos setores públicos.

A verdade é que não é preciso "saber votar". Essa fantasia que se criou com finalidade espúria deve desaparecer do nosso cotidiano. Devemos aprender sim a reivindicar o tempo inteiro os nossos direitos. Devemos aprender a exigir o impedimento de corruptos na política, a exoneração de servidores ineptos, o atendimento digno nos hospitais da rede pública para nós ou para quem for, um transporte público coletivo funcional e eficaz, uma educação real para todos, e uma segurança pública capaz de nos dar o sentimento de que realmente estamos seguros.

Dar o voto a alguém não significa assinar um pacto de silêncio diante do mal feito, da ineficiência, da incompetência, da corrupção. O voto você pode dar. A voz sempre será sua.

(Crônica de Marcos Rodrigues Pinnto, publicada pela primeira vez em
http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2014/10/10/noticiajornaldoleitorcronicas,3329393/o-voto-voce-pode-dar.shtml).


Os Olhos da Mãe

Por Marcos Rodrigues Pinto *
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Hoje, 13 de fevereiro de 2017, estava passando pelo bairro Damas e tive o prazer de ver uma cena comum, mas cheia de significado. Ali perto de uma esquina com a avenida João Pessoa, vi saindo de uma casa um rapaz de uns 30 anos e olhos de serenidade. Na porta, por trás de uma grade já fechada, vi uma senhora, de cabelos brancos, e olhos de preocupação.

O rapaz, já de costas para ela, ajeitou seu chapéu de massa preto e seus óculos de grau em armação preta e desceu os três degraus que separam a porta de casa e a calçada na rua. Ele abriu o pequeno portão de um muro que mal chega à cintura e foi-se pela calçada. Sua camisa vermelho-vinho de mangas longas, sua calça jeans e sapatos estilo social nos diriam que provavelmente estivesse a caminho do trabalho. O detalhe do chapéu e dos óculos poderiam nos permitir a aposta de que aquele rapaz fosse professor de história ou de língua portuguesa, mas aí já seria especulação.

Então, vamos voltar à senhora, com olhos doces e preocupados, olhando as costas do filho e balbuciando alguma coisa, talvez uma oração, talvez simplesmente um "Deus te proteja meu filho", mas eu realmente não saberia dizer. À medida que o rapaz avançava pela calçada para longe do campo de visão daquela senhora, mais ela se comprimia na grade, tentando acompanhar o filho com seus olhos de proteção.

Ninguém me disse que aquela senhora era mãe daquele rapaz. Mas mesmo assim, ao ver aquele belo e maravilhoso olhar, compreendi que aqueles eram os olhos da mãe.



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*Autor de Por Quanto Tempo Mais, entre outros.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O que foi dito... sobre preconceito

Uma coisa muito frequente que uma pessoa carregada de preconceito diz é: "você está sendo preconceituoso". O próprio fato de enxergar o preconceito em alguma coisa, palavra ou atitude, já é preconceito.

O nosso idioma, por exemplo, foi construído em sua base por uma aristocracia escravocrata, portanto, carregada de expressões que conotam preconceito de raça e de classe. A arte em todos os seus vieses que foi destacada e aceita durante muitos e muitos séculos é a arte aristocrática, havendo pouco ou nenhum espaço para a chamada arte popular. Então, essa arte, mesmo disfarçada de revolucionário cheguevariano carrega consigo os preconceitos de sua origem.

Faz algum tempo, li um livro de um filósofo que descrevia o pensamento de outro filósofo e, no início do livro ele destacava alguns traços biográficos do outro. Em uma dessas passagens ele afirmou: "ele era de família pobre, porém honrada". Então aquele autor deixou escapulir por entre suas tão bem traçadas linhas que ele acredita que famílias pobres normalmente não são honradas. Isso me lembrou um professor universitário, do qual fui aluno e que certo dia afirmou em sala de aula que "todo pobre é ladrão". Esse tipo de preconceito também é percebido vindo de pessoas pobres. Não é incomum ouvir de uma pessoa pobre que "é pobre, mas é honesto". Não é difícil imaginar porque uma pessoa pobre falaria isso: uma forte influência dos meios de comunicação em geral massificam essa ideia.

Não obstante, é comum também ouvir que se uma pessoa é rica, "ele, ou seu pai, ou seu avô foi um grande e bem-sucedido ladrão".

E o preconceito de classe não é o único que nos tira o sossego. Há os de gênero, os de altura (baixinho, alto demais, etc.), os de peso (magro demais, gordo demais, etc.), e muitos outros com que de vez em quando somos obrigados nos defrontar.

E quanto a você? Qual é o seu preconceito?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Lava Jato e os Presídios Brasileiros

Não tenho lembrança de tantos ricos e poderosos sendo presos no Brasil, fosse lá pelo motivo que fosse. Quando digo que não tenho lembrança é porque nem vi, nem ouvi falar, nem li em livro de história. Talvez o fato que mais se aproxime disso tenha sido a devassa feita para desmontar o movimento conhecido como Inconfidência Mineira.

Mas, naquela época, como sabemos, sobrou para o lado mais fraco, comme d'habitude. E agora, quem vai realmente pagar pelas maracutaias descobertas na operação Lava-Jato? Tem um lado mais fraco? Tem, é claro.

Ah, você acredita que no Brasil nunca houve tanta corrupção quanto nos anos 2000?

Se você pesquisar um pouco, vai descobrir que o número de varas de justiça aumentou de algo em torno de 100 varas em 2003 para 763 em 2015 (Varas Federais e Juizados Especiais Federais). O número de operações da Polícia Federal entre 2003 e 2015 também impressionam, assim como o número de servidores públicos federais e de policiais federais presos nessas operações. Daí me pergunto: a corrupção nesse período foi maior que em outros períodos da história recente ou as investigações é que puderam ser mais eficazes?

O bom é que quase todo mundo dá por certo que agora o Brasil vai mudar.

Quando observo o comportamento do brasileiro mediano com quem quase sempre me deparo na rua, fico em dúvida se o país vai realmente mudar depois da Lava-Jato. Acredito que há duas categorias de brasileiro bem distintas que provocam essa dúvida: uma que só faz o que é certo se estiver sendo vigiado; e a outra que tanto faz estar sendo visto ou não que sempre faz o que é errado.

Sabe aquele cara que usa o celular enquanto dirige porque o fumê no vidro garante que ele não vai ser multado? Bom, exemplos você deve ter de sobra e poderia até fazer uma lista de atitudes como essa.

Mas enfim, quando é que o título da postagem vai fazer sentido? Como você deve ter notado, eu fiz muitas perguntas e mostrei muitas dúvidas e não disse nada que desse razão ao título.

A razão do título é que, depois de tantos figurões passando dias e dias no xilindró, estou esperando aparecer alguns parlamentares lutando por "condições dignas" nas cadeias brasileiras. E aí talvez até consigam uma prisão como a da ilha de Bastoey, no sul de Oslo, Noruega.