Por
Marcos Pinnto
A educação pública brasileira está longe de alcançar uma boa
qualidade. Para uns, a culpa dessa qualidade inalcançada é dos
alunos desinteressados em aprender conteúdos que não lhes levarão
a nenhuma, ou quase nenhuma, transformação, nem social, nem
pessoal. Para outros, a culpa é do professor, eternamente mal
formado, mal pago, sem prestígio, tratado em regime de fábrica,
longe de ser tratado como um profissional que usa o intelecto para
realizar seu trabalho.
Uma preocupação que atropelou a busca pela qualidade foi a
universalização da educação básica. Tornar a educação básica
acessível à quase toda a população em idade escolar foi parte do
compromisso de muitos governantes ao longo dos anos dois mil e
seguintes. Por outro lado, a qualidade da educação cada vez mais
parecia, e parece, estar distante do que se pode chamar razoável,
para a quase totalidade dessa mesma quase totalidade que se desejava
dar acesso à educação.
Apesar da maquiagem de algumas instituições, o indivíduo médio
egresso das escolas públicas é a prova irrefutável da qualidade
aquém do esperado e com uma correspondência desproporcional com o
gasto de dinheiro público.
Nos tempos da pandemia de corona vírus iniciada em março de 2020,
esta mesma educação de qualidade duvidosa tentou migrar para a
modalidade a distância. Não é preciso ser nenhum especialista em
educação ou sociólogo para perceber que essa migração seria
desastrosa.
Parte desse desastre vem de uma contradição flagrante: a ênfase na
universalização e a desconsideração da exclusão de grande parte
da população de usuários da educação pública. Ou seja, mesmo
aqueles que foram alcançados por essa educação pseudouniversal
serão agora abandonados.
Vamos pensar um pouco. Se os professores eram considerados
despreparados, mal formados, desprestigiados, por que agora eles
seriam melhores trabalhando a distância?
E se os alunos eram desinteressados, mesmo depois de se deslocar até
a escola, muitas vezes enfrentando situações adversas, por que
agora se transformariam em estudantes exemplares na modalidade a
distância?
Se você estudar sobre as teorias que embasam a EaD, vai se deparar
com um perfil de aluno muito exigente para que tenha sucesso nesta modalidade.
Automotivação e autodisciplina são requisitos fundamentais para
ser um aluno bem-sucedido num curso sob a EaD. O que você acha que
vai acontecer com aquela quase totalidade referida no início desta
crônica?
Ah! Tudo bem, esquece a qualidade de vez e vamos cuidar apenas da
universalização.
A tão sonhada universalização da educação básica, se não havia
sido conquistada presencialmente, pior ainda será a distância.
A experiência que mais se aproximou da universalização de uma
educação básica, talvez tenha sido feita por uma fundação
privada. Essa fundação, cujas atividades foram iniciadas em 1977,
percebeu que a televisão seria uma boa aliada da educação e da
cultura no país, podendo levar conteúdos de excelente qualidade aos
lugares mais remotos e menos favorecidos economicamente.
Em 2020, 43 anos depois do surgimento daquela fundação, a TV ainda era a tecnologia
que mais possibilidade tinha de levar educação a um número
satisfatório de pessoas.
Em 2018, o IBGE divulgou uma pesquisa mostrando que menos de 3% das residências não possuíam televisor. Esse número é mais relevante do que os 180 milhões de notebooks e tablets registrado em 2019 pela Fundação Getúlio Vargas. Ou mesmo os 230 milhões de celulares ativos no mesmo ano. Porque sabemos das desigualdades profundas em nosso país. Sabemos que é muito diferente, por exemplo, ter um Apple e um CCE. Outra coisa que sabemos é que uma mesma pessoa, devido a alta concentração de renda, pode ter vários aparelhos, incluindo notebooks, tablets e celulares.
Existe uma parcela considerável dos lares que não possuem computador. Nesses lares, em geral, as pessoas não têm nenhum treinamento para utilizar um computador. Outro problema é o acesso à internet, caríssimo e de péssima qualidade. Ter internet em casa, no Brasil, é quase um luxo.
Plano de dados! Essa seria a solução salvadora, se não fosse apenas ilusória.
Cerca de 70% da população usa bônus de celular pré-pago e tem um pacote limitado de dados. Os alunos vão preferir gastar seu pacote de dados com as maravilhosas aulas ou com suas redes sociais? Seria razoável exigir deles que abram mão, neste momento, da sua forma de interação mais segura, em termos de saúde, para usar seus GB de dados com aulas?
Vamos esquecer, por enquanto, essa quase impossibilidade de acesso à
internet e vamos supor que os aparelhos são razoavelmente adequados
em termos de tamanho, nitidez, memória e capacidade de
processamento. Agora me diga, você estudaria 4 horas ou mais pela
tela de um celular?
Agora vamos para o outro lado.
Os professores, em sua maioria, têm um salário que limita bastante sua capacidade de consumo, concorda? Para atender às necessidades de um curso na modalidade EaD, o professor deveria ter: um computador equipado com câmera, softwares específicos, placa de vídeo, acesso à internet com um sinal estável, material pronto para disponibilizar para os alunos, entres outras coisas.
Mas, como somos extremamente otimistas, vamos imaginar que cada professor tenha tudo isso disponível.
Ele precisará ainda lutar contra as adversidades de um ambiente que não foi projetado para o trabalho, cuidar das atividades corriqueiras de casa, fazer exercícios físicos, e, talvez o mais importante: manter a saúde mental diante da pressão causada por um vírus altamente contagioso e letal.
Tudo bem, você deve estar pensando que sou mesmo pessimista e que enxergo problemas demais em detalhes… Espera um pouco… E o que houve com aquela frase famosa: “ninguém deve ser deixado para trás”. Por que agora, num momento de uma crise sem precedentes, é aceitável deixar alguém para trás?
Mas, para que você não saia deste blog achando que só mostro os problemas e não dou sugestão nenhuma para mitigar-lhes, vamos gastar algumas linhas com, pelo menos, uma sugestão.
A força da TV é muito grande ainda, principalmente a de sinal aberto. A disponibilidade de canais, depois da TV digital aumentaram as possibilidades, inclusive para a educação na modalidade a distância.
Para criar conteúdos de boa qualidade de caráter educativo para a televisão, exigem-se muitas pessoas. São diversos profissionais envolvidos, em várias etapas, de pré, de produção e de pós. A equipe técnica, por exemplo, não pode prescindir de um roteirista, dos técnicos de imagem e de som, dos especialistas em animação, dos editores, entre outros. Programas educativos de televisão exigem ainda a participação de professores conteudistas, professores apresentadores, professores palestrantes, além de outros especialistas, encenações e animações para explicar conteúdos, revisores etc.
É muito mais provável construir um material de boa qualidade unindo esforços de vários profissionais, aproveitando suas melhores habilidades, do que obrigar cada um a bancar o faz-tudo. O resultado da aposta no faz-tudo é o produto ser apenas uma satisfação dos recursos empregados e não um produto realmente útil.
Há, claro, a limitação de interação, ainda, na TV digital. No entanto, num sistema educacional baseado no treinamento para fazer prova, não seria nenhum crime, quando for seguro para as pessoas, marcar provas de validação para determinado nível de conhecimento.
Pelo alcance quase universal da TV, ela poderia sim ser uma grande aliada neste momento de distanciamento social. E talvez seja a única viável de fato.
E todos os professores seriam aproveitados nos programas televisivos? Além do programa centrado na TV, nada impede de que haja uma parte auxiliar no processo educativo a distância neste momento. Seriam profissionais indispensáveis para tirar dúvidas por telefone, ou por redes sociais, o que é mais provável de dar certo do que um aluno ficar 4 horas assistindo aula pelo celular ou lendo textos em letras minúsculas na tela do aparelho.
Se é preciso incluir e não deixar ninguém para trás, a TV é, neste momento, o único meio que pode nos deixar mais próximos deste objetivo.
Fique à vontade para compartilhar, comentar e sugerir mais ideias
para o nosso mundo em distanciamento!
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