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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Se Essa Rua Fosse (somente) Minha

Barulho de motores e buzinas escorrendo pelas orelhas. Cores, reflexos, vultos, pessoas, árvores atravessando a retina. A rua do colégio é sempre muito movimentada na hora de entrada e de saída de alunos. É só um minutinho. Afinal, todos param em fila dupla, principalmente se forem pegar seus filhos na porta do colégio. É perigoso estacionar em local adequado e ir a pé até a porta do colégio. Pode haver um assalto, ou talvez até um sequestro, ou pior ainda: os coleguinhas do filho podem pensar que o pai dele não tem carro e isso sim seria uma tragédia. Então um minutinho parado em fila dupla não faz mal a ninguém.

O que provoca um acidente, em geral é a atitude displicente de uma ou mais pessoas em conjunto com o acaso. Mas o que fica bem claro é que muitos acidentes poderiam ser evitados se não fosse a atitude relapsa de alguém. Os acidentes não são obra do destino, são obra das pessoas. Quando uma pessoa decide andar acima do limite de velocidade estabelecido em uma via, ela assume o risco de provocar um acidente. Mas em geral ela se acha experta demais no volante e por isso seria capaz de evitar qualquer acidente. O que ela não espera é outro indivíduo, tão inconsequente como essa pessoa irá também cometer um ato de imprudência ou de imperícia. Em vias preferenciais de sentido duplo, se alguém vem em alta velocidade dará pouca chance para que o que tenta entrar nessa via o faça de forma segura. A quantidade de segundos que o indivíduo leva para conferir um lado da via e depois o outro pode ser insuficiente para entrar na via antes que entre no seu campo visual quem vem em alta velocidade. Daí quem provocou o acidente? Quem entrou da via secundária para a preferencial ou quem vinha em excesso de velocidade?

Parece comum nas cidades brasileiras em que já estive a ultrapassagem em cruzamentos e em faixas de pedestres. Esse tipo de ultrapassagem é de alto risco, porque é mínima a visibilidade para quem ultrapassa e para quem está na faixa oposta ao veículo ultrapassado. Os acidentes resultantes dessas ultrapassagens são colisões frontais, laterais ou atropelamentos.

Na cidade de Fortaleza, é bastante comum a passagem para cadeirante ser usada por motos e bicicletas. Isso tem pelo menos dois resultados indesejados: o peso das motos pode danificar a passagem que deveria ser apenas para cadeirantes; e um acidente, causado pela entrada repentina de um veículo em um ponto da via em que os projetistas consideraram que não deveria haver.

Outra atitude feita sem nenhum pudor é o uso da calçada para estacionar e até mesmo para transitar. Quando digo sem nenhum pudor, quero dizer que as pessoas que fazem isso não têm mesmo nenhum vestígio de pejo pelo que fazem. Julgam aquilo como normal. Mas há uma diferença clara entre o que é normal e o que é comum. Infringir a lei e não ter nem mesmo bom senso para agir não é normal, embora possa parecer comum no trânsito.

A verdade é que o egoísmo e o egocentrismo leva o indivíduo a acreditar que as razões e o tempo dele são os mais importantes em todo o universo de razões e de tempo das outras pessoas.

Agora voltemos aonde deixamos nosso motorista parado em fila dupla. Uma criança tenta atravessar a rua para se juntar aos amigos do outro lado. Ao desviar do sujeito parado em fila dupla e passar para a terceira faixa em uma velocidade usual para a via, um segundo motorista atropela a criança. Mas, parado em fila dupla, nosso motorista acredita que não tem nada a ver com isso. Aliás, ele pensa: "ainda bem que o meu filho eu pego bem na porta do colégio".

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Contaminando a Geração Seguinte

Quando se é um pústula, sempre se dá um jeito de mostrar. No entanto, ser pústula já é uma coisa ruim; ensinar um jovem a o ser, é bem pior. Porque aí, o sujeito está passando o seu mal, o seu vício, e a sua mancha a uma outra geração.

Em certo dia do ano de 2015, uma mocinha de cerca de 18 anos estava em uma fila para pagar o lanche e dali deveria passar para outra fila para então pegar o seu lanche. Até aí tudo bem. Havia um senhor, de aproximadamente 55 anos já na fila de pegar o lanche e, chegada a sua vez, ele gentilmente cedeu o lugar para o que estava logo atrás dele. Certamente ele deveria estar esperando a próxima fornada para pegar seu lanche.

Agora, deixemos esse simpático senhor na fila do lanche e voltemos até a mocinha na outra fila. Ela acaba de pagar pelo seu lanche e receber sua ficha. Ela olha para uma pessoa na fila de pegar o lanche e segue na direção dessa pessoa. Contrariamente às expectativas de  todos ela toma o lado errado da fila, isto é, em vez de dirigir-se para o fim da fila, com sete pessoas, ela vai em direção ao primeiro indivíduo da fila.

Sim! Ele mesmo! O simpático senhor com seus 55 anos estava ensinando a mocinha a dar um golpe. Sim, isto é um golpe. E quem estaria sendo lesado neste golpe? Qual direito estaria sendo ferido?

As pessoas na fila estavam sendo as vítimas do golpe e o direito ferido é o direito natural da ordem de chegada. Mas por que ninguém na fila fez um escândalo? Por que ninguém bateu nas panelas e gritou "fora Dilma!"? Por que não se levantou cartazes ferozes contra a corrupção?

Porque aquelas pessoas acharam que não tinha nada de mais naquilo. Afinal, era somente um pai ajudando a filha a não se atrasar para, talvez, a segunda aula. Porque aquelas pessoas agiram da mesma forma na semana passada e se tivessem em dupla naquele momento, fariam o mesmo. Fariam para ganhar tempo, é claro. Mas não se pode esquecer que, sempre que alguém ganha, outro alguém perde. Nesse caso, o ganho de tempo dela representou a perda de tempo de outros, independentemente da situação em que estivessem: atrasados, apertados para ir ao banheiro, com dores nas pernas, etc.

Mas ninguém pensaria nisso, não é mesmo? Claro, ninguém que não tivesse um pingo de empatia jamais se colocaria no lugar do outro.

A mocinha e seu querido e corrupto pai, foram sentar em algum lugar do salão e se regozijar por serem uma dupla tão inteligente e astuta. Quanto a ele, assim como muitos, são casos perdidos, porque se quer se dão conta da maneira como se comportam, e agem no automático, da forma mais natural possível. Mas aquela moça, muito provavelmente poderia se tornar uma pessoa honesta, desde que ela tivesse pelo menos a chance de conhecer os dois lados da moeda, isto é, desde que lhe fosse apresentado o que é certo e o que é errado. Claro, conhecer os dois lados não garante que o jovem escolha fazer o que é certo, mas isso não nos dá o direito de não lhe dar escolha.

Ninguém tem o direito de contaminar a próxima geração com suas manias de dar um jeitinho, de bancar o esperto, de se esquivar habilmente das obrigações e de desconsiderar todas as regras que puder, desde que nunca seja punido por isso.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Ventre Livre - a alma cativa

Em 28 de setembro de 1871 foi sancionada pela princesa Isabel a Lei do Ventre Live (lei número 2.040 de 28/09/1871). Essa lei tornava livre os filhos e filhas de escravas nascidos no Império desde a data da lei.

A lei estabelecia, entre outras coisas, que o senhor de escrava que desce à luz um filho estaria obrigado a cuidar da criança até os 8 anos de idade. A partir daí, duas situações poderiam ocorrer ao senhor da escrava: receber uma indenização do Estado pelo menor, ou utilizar-se de seus serviços até a idade de 21 anos. No caso de optar pela indenização, que seria paga em títulos do governo a uma taxa de 6% anuais, o senhor da escrava teria de declarar essa escolha em um prazo de 30 dias a contar do dia em que o menor completasse 8 anos.

O artigo primeiro da lei fala apenas em filho e não em filha, no entanto, em seu parágrafo terceiro, afirma que ficam também obrigados os "senhores [a] criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquellas estiverem prestando serviços". Subtendendo-se daí que a lei incluía filhos e filhas de escravas nascidos a partir da data da lei.

Para o menor havia a possibilidade remir-se da prestação de serviços até os 21 anos de idade, desde que arcasse com a "devida" indenização ao senhor de sua mãe. Tais serviços também poderiam ser cessados caso o senhor da escrava infligisse ao menor "castigos excessivos". No entanto a lei não regulava o que se deveria entender como castigo excessivo, nem a forma de apurar possíveis alegações. Também não há na lei referência a outra lei que cuide desses casos.

Naqueles anos, muitos achavam normal ter escravos. Para alguns poucos, a escravidão era uma aberração. 

Hoje em dia, muitos acham normal a condição miserável de boa parte da população, atribuindo à vontade divina ou às próprias escolhas do indivíduo seu estado de miséria. Há ainda os que acham que é o acaso que faz com que as pessoas cheguem ao estado de miséria ou que permaneçam nele. O fato de uma pessoa morrer de fome, ou por falta do devido atendimento médico é algo absorvido e digerido facilmente para muita gente. O fato de negar-se a uma criança as condições de desenvolvimento pleno é encarada como natural para certos segmentos da sociedade.

Esse segmento da sociedade, o que acredita que o "cada um por si e Deus contra todos" é a fórmula mágica para conduzir a vida em sociedade, perdeu, ou jamais teve, uma característica humana fundamental: a empatia.