Por Marcos Pinnto *
A violência doméstica no Estado do Ceará é um problema grave e vergonhoso, que nos causa asco o simples fato de pensar nela. Na busca de soluções, muitas decisões são tomadas num ritmo de urgência que impede a reflexão adequada para o tema.
Exemplo disso é a inclusão explícita no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Ceará (ESPEC) da violência doméstica como um dos casos que culminam na demissão do servidor. Essa inclusão pode causar dano irreparável às esposas de servidores que venham a se envolver nessa situação.
Uma mulher que venha a sofrer violência física ou psicológica por parte de seu companheiro ou companheira, caso este ou esta seja servidor público do estado do Ceará, e que não tenha renda própria, sentir-se-á coagida por esse novo dispositivo legal.
Ela deverá pensar: se eu o/a denuncio, ele/ela perderá o cargo público. Quem sustentará a mim e a meus filhos?
Quem legislou assim, obviamente não pensou muito além do primeiro instante, que é de satisfação por achar mais um meio de "cercar de proteção a mulher".
Esperar que alguém que está inserido no serviço público estadual possa encontrar rapidamente uma outra posição no mercado de trabalho é, no mínimo, fantasioso. Pior ainda se pensarmos em obter um salário que esteja ao menos próximo dos generosos salários pagos pelo estado do Ceará.
Para quem está na iniciativa privada, entrar no serviço público depende apenas de passar em uma bateria de provas. Mas para quem já está no serviço público, entrar na iniciativa privada é muito difícil, por vários motivos.
O primeiro motivo é a imagem que se criou sobre o funcionalismo público brasileiro de uma maneira geral, herança justa da própria aparição dessa figura no contexto histórico do país (leia Visão do Paraíso para uma visão ampla sobre isso). O servidor público, federal ou estadual, é representado nos meios de comunicação como preguiçoso, viciado em corrupção e dotado de tantos outros vícios (por exemplo, na série Os Aspones), além de serem, segundo a crença da maioria, premiados com regalias infinitas (veja o artigo artigo_1). Qual empresário bom do juízo contrataria alguém retratado dessa forma?
O segundo motivo é que os benefícios e nível salarial é muito difícil de ser igualado pelo setor privado, na maioria das funções similares.
O terceiro não necessariamente ocorre com todos, mas com muitos: a função na qual o sujeito se especializou simplesmente não existe no setor privado. E nem estou falando aqui do que se chama "Carreira Típica de Estado", como aborda o artigo disponível em artigo_2.
De qualquer forma, no pior cenário, o indivíduo ficará sem renda, podendo ser preso pelo não pagamento de pensão. No melhor cenário, arranjará uma fonte de renda muito inferior, que não será suficiente para manter o próprio padrão de vida, muito menos de sua antiga companheira e filhos.
Esta inclusão descuidada no ESPEC pode deixar a mulher vítima de violência doméstica diante de um dilema: denunciar e ficar sem sustento para si e para os filhos versus calar-se para garantir seu sustento e dos filhos, como tantas fazem.
Assim, cabe a pergunta: esta lei veio para proteger a mulher ou para servir de entrave a uma denúncia?
* Professor, escritor e desenvolvedor de games e aplicativos.