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quarta-feira, 17 de abril de 2019

EVO MORALES E A DEMOCRACIA NO ESTADO PLURINACIONAL

Palavra-chave: Reeleição, MAS, Referendo, República, Plurinacional.
Categoria: Política 
Tags: Escritório de Direitos Humanos, Democracias na América do Sul, Movimentos de Esquerda, Oposição às Esquerdas.

Bibliografia e Referências:

Burdeau, G. O Estado. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão – São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Calvocoressi, P. Política Mundial: a partir de 1945. Tradução Roberto Cataldo Costa, revisão técnica Paulo Fagudes Vicentini – 9 ed. - Porto Alegre: Penso, 2011.

Constant, B. Escritos de Política. Tradução Eduardo Brandão, edição, introdução e notas Célia N Galvão Quirino – São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Foucault, M. Seguridad, Territorio, Población. Curso em el Collège de France: 1977-1978 – 1ª edição, 4ª reimpressão – Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011.

Loch, A. S. Fagundes, L. M. O Estado Plurinacional: Limites e Potencialidades de Refundação do Estado Moderno a partir da Constituição Boliviana de 2009. Direito em Debate: revista do departamento de ciências juríridicas e sociais da UNIJUÍ, ano XXVII, n 49, jan-jun, 2018. Disponível em  <http://dx.doi.org/10.21527/2176-6622.2018.49.197-219>. Acessado em 07/04/2019.

Mateus, E. N. Considerações sobre o Estado Plurinacional Boliviano. Portal Âmbito Jurídico. Disponível online em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9625&revista_caderno=16>. Acessado em 07/04/2019.

Webgrafia:

















Atualização em virtude das mudanças ocorridas na Bolívia

[30 de abril de 2020]
Quando este artigo foi escrito, a Bolívia passava por um período de prosperidade e se destacava de seus vizinhos de continente. Atribuí isso a estabilidade política e a uma oposição séria, altamente responsável, incapaz de atirar seu povo ao caos para se promover politicamente.

Pois bem, parece que isso mudou.

A Bolívia mergulhou em um caos político e social, num processo de afastamento dramático do líder que a levou ao patamares jamais vistos em sua história.

Estamos no ano de 2020 e enfrentamos uma pandemia que se espalha a taxas inacreditáveis e tem matado milhares de pessoas no mundo todo. 

A Bolívia, sofre, como muitos outros países mundo a fora. Mas, depois da pandemia, ainda restará muitos outros pedaços a remendar.

Leia o artigo e entenda como estava a Bolívia antes dos eventos que a levaram para o caos na política, que tem como consequência o caos econômico e social.

EVO MORALES E A DEMOCRACIA NO ESTADO PLURINACIONAL


A despeito da Constituição boliviana estabelecer o máximo de dois mandatos consecutivos para ocupar o cargo de presidente, e de um referendo onde a maioria se manifestou contrariamente à mudança constitucional que garantiria mais um pleito a Evo Morales, o Tribunal Constitucional garantiu a sua quarta candidatura.


Quem é Evo Morales


Juan Evo Morales Ayma nasceu aos 26 de outubro de 1959, em Orinoca, Oruro, Bolívia. Cresceu em uma família aymara de parcos recursos econômicos., em um ambiente rural no altiplano boliviano.
Seus pais eram Dionisio Morales e María Aymara, os quais se dedicaram à agricultura. Pela manhã, Evo estudava, mas depois do período matutino ajudava seus pais nas tarefas como o pastoreio. Quando seus pais precisaram se mudar para Jujuy, Argentina, Evo precisou parar seus estudos para trabalhar nos canaviais açucareiros.
Ao retornar aos estudos, faltava bastantes as aulas, devido principalmente à condição de miserabilidade e à procura por trabalhos temporários. O grau equivalente ao ensino médio brasileiro, Morales teve de cursar em Oruro, a capital do departamento, matriculando-se em uma escola pública. Arranjava vários empregos com o intuito de ajudar a seus pais, tendo sido pedreiro, padeiro e até trompetista. Terminou seus estudos em 1977, seguindo para o serviço militar, em La Paz, onde foi discriminado devido a sua etnia e, principalmente, por ser pobre. A família precisou se mudar mais uma vez, cerca de dois anos depois, tentando fugir da miséria. Conseguiram se instalar no Puerto San Francisco – Chapare – para labutar com arroz, primeiramente, e depois, com a planta de coca.
A folha de coca conferiu a sua família um mínimo de estabilidade, um dos mais mais estáveis da região devido à demanda crescente do narcotráfico. Logo, Evo seria reconhecido como liderança local no campesinato indígena, mostrando uma preocupação genuína com a realidade social e política de seu povo, e pela luta em favor dos menos favorecidos. Decidiu-se por entrar no sindicato agrário. Sua principal influência política foi o intelectual marxista Fausto Reinaga, fundador do Partido Índio Boliviano, cuja leitura o fez compreender a necessidade da militância indígena.
No ano de 1988, pressionado pelo governo estadunidense, o então presidente boliviano em seu terceiro mandato, Victor Paz Estensoro (1907 – 2001), conseguiu, por meio de lei, restringir a produção de folha de coca. Foi um golpe duro contra os que viviam do cultivo da coca, com a destruição de plantações sem indenização e a substituição gradual por cultivos de baixa rentabilidade, o que provocou uma onda de protestos do movimento cocaleiro, que não aceitava a criminalização da atividade agrária por governos internacionais. Por essa época, Evo havia assumido a secretaria de esportes, tendo ascendido à secretaria geral em pouco tempo, chegando, em 1988, a secretário executivo da Federação do Trópico de Cochabamba.
Durante o mandato do socialdemocrata Jaime Paz Zamora (1939) a  Federação do Trópico de Cochabamba, sob a liderança de Morales, ofereceu resistência contra os planos do governo de restrição ao cultivo da folha de coca. Com a chegada de Gonzalo Sánchez de Lozada (1930) ao palácio presidencial, em 1993, a luta tornou-se mais ferrenha. O novo líder conservador, defensor fervoroso dos planos de erradicação do cultivo de coca,  testemunhou um dos mais relevantes episódios de enfrentamento entre o Movimento Nacional Revolucionário e os cocaleiros. Segundo Calvocoressi (2011), os Estados Unidos também enviaram ajuda financeira e material aos camponeses, além de tropas e agentes investigativos, mas isso não seria suficiente para arrefecer os ânimos no campo.
O Drug Enforcement Administration (DEA), agência antidrogas dos Estados Unidos, ajudou Lozada na execução do plano “Nuevo Amanecer” (Novo Amanhecer, em português), que consistia na destruição das culturas de coca em Chapare. Como resultado da repressão policial, vários feridos e um jovem morto. Evo convocou uma marcha multitudinária em direção a La Paz. Cerca de quatro mil camponeses exigiriam uma negociação com o executivo. Logo começou uma campanha de desprestígio contra Morales.
A Assembleia pela Soberania dos Povos (ASP) e o Instrumento Político para a Soberania dos Povos (IPSP) constituiu-se de grupos de associações indígenas e camponesas, no ano de 1995. Na busca para ser formação política, o IPSP separou-se do ASP. Em 1999, Evo Morales era eleito presidente do novo Movimento al Socialismo (MAS). Como líder político, denunciou os episódios de repressão militar, incentivou a resistência dos cocaleiros, chegando inclusive a ameaçar iniciar uma guerra civil no Chapare.
Eleito a presidenciável pelo MAS, em 2002, Morales tinha os mais favoráveis prognósticos a seu favor. Seu partido tornou-se a segunda maior força política do país, formando uma oposição forte no congresso. Um imposto sobre salários foi o estopim para uma onda de protestos, seis meses depois das eleições de 30 de junho. Até a polícia se rebelou e se uniu às reivindicações cidadãs e à intervenção do exército. Pressionado por esses movimentos, o presidente retirou as medidas econômicas que haviam desencadeado a crise. Mesmo assim, a caída do presidente era dada como certa, e Carlos Mesa, vice-presidente, assumiu a cadeira de Lozada. Mesa anunciou um novo executivo para instaurar a paz civil.
No ano de 2004, a Bolívia acompanhava a virada para a esquerda que ocorria na América Latina e o MAS já era a principal força política do país.
Novas eleições deveriam ocorrer para apaziguar os protestos. Carlos Mesa anunciou novas eleições para eleger a Assembleia Constituinte. No entanto, as lideranças indigenistas se opuseram e aumentaram a pressão sobre o governo por meio do aumento das mobilizações. Em 18 de dezembro de 2005 o povo boliviano foi às urnas para apoiar o programa anti-imperialista, anticapitalista e antineoliberal proposto por Morales. Era previsto para a Bolívia uma grande mudança social e a proeminência do MAS foi garantida pela vitória nas eleições legislativas.
Grande Condor, a máxima autoridade dos povos indígenas: esse título foi atribuído a Evo Morales, em cerimônia celebrada em Tiwanaku (a capital aymara), um dia antes de ser empossado presidente da Bolívia. A ascensão do índio Evo Morales à presidência deu início ao fim das discriminações excludentes sobre os indígenas, e um processo de desconstrução da supremacia branca foi, após séculos de existência, foi posto em ação. A Bolívia passaria por mudanças profundas não apenas no campo político, mas também econômico, cultural e social.
Conforme promessa de campanha, nacionalizou definitivamente os recursos hidrocarbonetos, tendo usado as forças armadas em maio de 2006 para ocupar estações de empresas estrangeiras, como a espanhola Repsol e a brasileira Petrobras, tendo o próprio presidente participado da tomada simbólica de duas refinarias: em Carrasco e Entre Rios. No ato, Morales convocou a população a rechaçar qualquer tentativa de sabotagem à nacionalização por parte das empresas estrangeiras, e chamou especialistas bolivianos para assumir o controle das mesmas e servir com lealdade a pátria.
Outras empresas também foram nacionalizadas, com a finalidade de fazer com que os cidadãos bolivianos diminuam seus gastos. Exemplo são as telefônicas.
Uma de suas conquistas no campo econômico é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu entre 5,2% e 7,2% ao longo dos anos de seu governo. 
Conclusão
Conhecido por seu povo como Evo, o atual presidente da Bolívia, primeiro indígena eleito para tal cargo na história da Bolívia, Evo Morales, como todo grande personagem da história acumula admiradores e adversários, sendo exaltado pelos primeiros e duramente criticado pelos segundos. Falante nativo de aymara, língua indígena de sua etnia, obteve em 2005 53,7% dos votos do povo, sendo em 2009 reeleito com 63% dos votos.
O partido político MAS foi fundado com a finalidade de transferir poder ao povo indígena por meio de reforma agrária e redistribuição dos ganhos com exportação de gás natural. É opositor do movimento que tenta erradicar o cultivo da coca da América do Sul. A coca é considerada pelos povos indígenas da Bolívia como parte da cultura ancestral dos aymara e por isso há um movimento de agricultores se opondo a sua erradicação, o qual conta com a liderança de Morales.
Sua imagem de homem do povo é reforçada por sua relutância em adotar trajes formais, mesmo em ocasiões que requerem a mais estrita formalidade.
Em 2009, a ONU o conferiu o título de Defensor Mundial da Mãe Terra. Em 2014, em discurso na ONU, abriu discussão sobre a crise ambiental originada pelo capitalismo, e chamou a atenção para a urgência em proteger a Terra e seus habitantes, incluídos aí, os seres humanos.
Não é possível negar a melhora substancial da qualidade de vida na Bolívia, nem a notória transformação social e cultural que vem ocorrendo desde o ano de 2006, quando Morales assumiu a cadeira presidencial pela primeira vez.


O Que é o Estado Plurinacional


Michel Foucault, em seu livro “Seguridad, Territorio, Población”, citando Claude Clément, nos fala que o político tem um respeito fingido, só determinado pela razão de Estado, e que a divindade passou a ser chamada de cidade pelos gregos antigos, de república ou império pelos romanos, e de Estado por nós nos dias atuais.
O Estado, conforme nos diz Georges Burdeau (1905 – 1988), é um ente abstrato que nunca foi visto. Por outro lado, o próprio Burdeau pergunta: “quem poderia negar que o estado seja uma realidade?”. Assim, o Estado existe tão somente porque pensamos nele. Não é o Estado um território. Também não o é uma população. Nem um corpo de regras de cumprimento compulsivo. O Estado pode ser visto como uma forma de poder que torna nobre a obediência. Isto é, para o homem, curvar-se a outro homem o torna indigno, mas, curvar-se diante do Estado é aceitável, uma vez que o imagina como uma entidade sob a qual todos estão submetidos.
Visto como uma forma de poder, cabe a pergunta: quem deve exercer este poder? Luís XIV, da França, acreditava que este poder era totalmente dele. Com o advento das democracias, adotou-se a ideia de soberania popular. No entanto, há pensadores que vêm a democracia como uma ilusão de liberdade, fomentada pelos que detêm o poder. 
Para Francis Bacon (1521 - 1626), dentro do Estado há duas categorias de indivíduos: o povo e os grandes, sendo perigosa a união entre os dois, para o Estado, ou quem o detenha como forma de poder. No entanto, em seu dizer, o povo é lento e a nobreza é débil. Além disso, a nobreza sempre pode ser comprada ou ter sua resistência eliminada, bastando para isso provocar uma cisão em seu meio. No contexto contemporâneo, temos a classe média, a qual pode sempre ter suas lideranças compradas por meio da concessão de regalias, ou dividi-las de forma a destruir suas reputações mutuamente.
Soberania, segundo Benjamin Constant, é a supremacia da vontade geral sobre a vontade particular. No entanto, se por um lado não cabe a nenhum indivíduo, a nenhuma classe, submeter o resto a sua vontade, por outro, é errado que a sociedade toda imponha sobre seus membros uma soberania sem limites. Se assim fosse, teríamos nada mais do que a tirania, no dizer de Montesquieu.
Isto porque há vontades que não devem ser atendidas, nem do povo, nem de seus delegados, nos fala Constant. E conclui que a vontade de um povo, meramente por ser vontade, não pode transformar em justo o que é injusto.
Mas quem é o intérprete da vontade do povo? Segundo Burdeau, esse papel foi assumido pelos partidos políticos nos Estados chamados partidários. Estes se apresentam de duas formas. Regimes de partido único, nos quais a doutrina do partido é a ideologia estatal de modo que o Estado passa a condição de instrumento da política escolhida pelas instâncias dirigentes do partido. E regimes de bipartidarismo ou multipartidarismo, o que se convencionou chamar de democracias ocidentais.
Este é o caso do Estado Plurinacional da Bolívia, como passou a se chamar a Bolívia após a constituição de 2009. Sendo o poder constituinte originário o único capaz de pôr fim à ordem vigente, é natural que para uma profunda mudança cultural, econômica, política e social, uma nova constituição fosse promulgada.
Elizabeth do Nascimento Mateus, em artigo disponível online, observa a dificuldade de desenvolver uma forma de governar com movimentos e a execução e sua vontade, uma vez que a sociedade possui suas contradições próprias e sua complexidade habitual. E que existe uma assimetria entre o Estado, o governo e o povo boliviano.
A Bolívia é um país com cerca de dez milhões de habitantes, sendo sua maioria constituída por povos indígenas. Depois de séculos de exploração capitalista destes povos, primeiramente por europeus e em seguida por uma elite nascida no próprio país, o Estado Plurinacional representa uma alternativa ao Estado Capitalista Neoliberal.
Para Loch e Fagundes (2018), a concepção moderna de Estado-nação não reflete a realidade histórica dos povos da região, tendo-se por isso recorrido à concepção de Estado Plurinacional de modo a oferecer a possibilidade de refundação baseada na unidade constitucional e na diversidade de concepções nacionais, dando ênfase ao Estado como representante da realidade e não apenas como forma de poder limitado a atender às demandas de um grupo privilegiado.
Segundo esses autores, o modelo de Estado Plurinacional representa uma virada em relação ao processo de colonização. A colonização tem base na unificação e na exclusão ou repressão da diversidade, vista como perigo às autoridades constituídas. No Estado Plurinacional, a diversidade é não só reconhecida, mas também incentivada, reconhecendo a pluralidade da sociedade.
Embora represente um abandono do Estado Capitalista Neoliberal, excludente e opressor das diversidades, o Estado Plurinacional não prevê o fim do Estado como entidade abstrata e organizadora da sociedade, mas sim, mostra-se como alternativa legítima ao se pautar pela realidade dos povos dentro de suas fronteiras e não nos anseios de uma elite política e econômica.
Loch e Fagundes (2018) acrescentam ainda que se trata de um constitucionalismo que emana “de baixo”, procurando expandir a visão política, apresentando nova institucionalidade, territorialidade, legalidade, regime político, subjetividades e individualidades diversas, para assim garantir políticas anticapitalistas e anti-imperialistas.
Dessa forma, como o próprio nome indica, ser Plurinacional significa reconhecer, dentro de um mesmo Estado, várias nações, vários sistemas políticos, jurídicos e econômicos. 


A DEMOCRACIA NO ESTADO PLURINACIONAL


A democracia não é o governo do povo, como diz a etimologia da palavra. Mas é o das pessoas escolhidas pela maioria dos que gozem do pleno direito de votar. Os eleitos são encarregados de governar em nome dos que o elegeram. No entanto, a escolha da maioria não pode ser assumida como a incontestavelmente correta. Na Bolívia, o povo foi consultado sobre se deveria ser alterado o artigo 168 de sua constituição, o que limita o número de reeleições de um candidato à presidência. A mudança permitiria a Evo Morales tentar o cargo de presidente pela quarta vez. Uma sutil diferença entre os que disseram que não e os que disseram que sim estabeleceu que tal artigo não deveria ser alterado, o que foi respeitado. No entanto, este resultado não foi o suficiente para dissuadir o partido do atual presidente boliviano de tentar mais uma vez a sua candidatura.
A constituição boliviana de 2009 fundou o Estado Plurinacional, primeira constituição da história da Bolívia a passar por referendo popular. A fundação de um novo estado permitiu que Morales ocupasse a presidência por três mandatos consecutivos, pois, a despeito de o limite ser de dois mandatos sucessivos, entendeu-se que o primeiro mandato de Morales havia sido antes da fundação do novo Estado e, portanto, não deveria ser contado.
Para conseguir a quarta candidatura, o MAS recorreu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual a Bolívia é signatária e que na alínea b de seu artigo 23, estabelece como direito político o de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas, feitas por sufrágio universal e igual e por voto secreto, nas quais haja a garantia de livre expressão da vontade dos eleitores. A tese do MAS era de que as limitações impostas pela constituição cerceavam os direitos garantidos na referida convenção. O Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano decidiu por unanimidade: os tratados de direitos humanos que ampliam os direitos políticos devem prevalecer sobre a Constituição boliviana.
A atitude de Morales e o comportamento do Tribunal Constitucional, trazem-nos a lembrança das palavras de Benjamin Constant: de nada adianta ter a separação dos poderes se esses poderes passam a agir em conluio para se legitimarem mutuamente.


POLÍTICA SALARIAL, PIB E DÍVIDA INTERNA


Na Bolívia de Morales, a política salarial foi usada como estratégia para o crescimento. Como um dos efeitos, houve o crescimento da Dívida Interna, mas também o aumento do Produto Interno Bruto.  
A partir do ano 2006, como uma estratégia de crescimento via aumento da demanda agregada, diminuição da pobreza e da desigualdade, o governo boliviano implementou aumentos significativos ao Salário Mínimo Nacional (SMN), que entre 2005 e 2014 teve um incremento equivalente a 327%.
O aumento da renda da população implica necessariamente em um aumento da demanda, o que por sua vez provoca inflação. Por outro lado, há uma expansão do crédito e um incremento nas importações, o que prejudica a balança comercial.
No entanto, o crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) minimiza a razão entre a dívida interna e o PIB. Esta razão vem diminuindo  desde os anos 2009 e 2010. Nos anos de 2009, 2014, 2015, 2016 e 2017, a Bolívia foi o país Sul-Americano de maior crescimento nesta variável macroeconômica.  


ESTABILIDADE POLÍTICA


Um dos fatores que concorrem para o bem-estar da economia boliviana é a estabilidade política. Estabilidade política não significa ausência de oposição. Muito pelo contrário, para que se possa falar em estabilidade política é imprescindível que haja oposição. Mas, uma oposição crítica e ao mesmo tempo responsável, consciente de que suas ações podem impactar positiva ou negativamente o país, trazendo benefícios ou malefícios ao seu povo. Oposições irresponsáveis normalmente conduzem o país a uma situação de instabilidade política na qual enxergam a oportunidade de ascender ao controle do Estado.
No caso boliviano, a oposição atua por meios democráticos e se utiliza da liberdade política de que gozam para manifestar seu posicionamento contrário ao governo. Nas eleições de 2015, essa oposição mostrou sua força tomando do MAS as prefeituras de El Alto e Cochabamba, além dos governos de La Paz e Tarija, ao passo que mantiveram o governo de Santa Cruz e a prefeitura de La Paz.
Evo Morales foi eleito presidente pela primeira vez em 2005, sendo reeleito em 2009 e mudado a constituição para tornar a Bolívia um Estado Plurinacional, e não mais uma república. Esta mudança foi vista por alguns como um golpe de Morales e seus apoiadores, uma vez que permitiu ao presidente permanecer no cargo por mais uma legislatura nas eleições de 2014 enquanto a constituição boliviana previa a possibilidade de reeleição para duas legislaturas consecutivas, e não três. A mudança na constituição permitiu ao Tribunal Constitucional interpretar a lei de forma a não contar a primeira legislatura, quando a Bolívia era uma república.
Uma das ferramentas utilizadas pela oposição é a internet. Em contraposição, o MAS estabeleceu uma nova estratégia de combate: o virtual. A importância das redes sociais virtuais na formação de opinião passou a ser reconhecida como potencial influenciadora nos resultados de eleições. A missão dos guerreiros virtuais é combater as terríveis notícias falsas e debater assuntos de interesse do governo.
Na oposição, Samuel Doria Medina, que disputou contra Morales em 2014, é empresário, casado e tem seis filhos. Jorge Quiroga, que tentou barrar a permissão para que Evo Morales concorresse pela quarta vez. O governador da província de Santa Cruz, Ruben Costas. E o ex-presidente Carlos Mesa, 65 anos, historiador e jornalista, que governou o país de 2003 a 2005 e que lança sua candidatura para 2019.


UM PAÍS SEM SAÍDA


A Bolívia é um país sem saída. Mas, para o Oceano Pacífico, como todos sabem, sendo uma de suas reivindicações atuais justamente garantir o acesso ao Pacífico através de terras atualmente chilenas, as quais foram perdidas na guerra do Pacífico (1879 – 1883).
Às vésperas da eleição para presidente em 2019, ocorre uma ferrenha disputa entre forças internas. De um lado, os apoiadores de Evo Morales, que querem mantê-lo no cargo por mais um mandato; de outro, os que querem um novo presidente e por fim ao governo do Movimiento al Socialismo (MAS), partido de esquerda o qual Evo Morales ajudou a fundar.
A sua quarta candidatura será possível graças a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual a Bolívia é signatária. Entre os direitos fundamentais do ser humano está o de votar e de ser votado. O MAS entrou com uma ação na justiça pedindo a garantia deste direito a Morales, o que foi atendido pela Corte Constitucional.
A atual situação de robustez da economia e a estabilidade política pela qual passa a Bolívia parece favorecer Evo Morales e seus apoiadores. Por outro lado, a permanência de Morales na presidência por mais cinco anos, aos olhos de parte da oposição, não parece ser um evento democrático.

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