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sábado, 17 de agosto de 2024

A VORACIDADE DO ESTADO E A SOCIEDADE SERVIL

 Todos estão cansadíssimos de saber que o Estado não produz nada, mas é sócio de todos, tanto dos que produzem quanto dos que consomem. Que o Estado, em contrapartida, promete saúde, educação, segurança, mas fica apenas na promessa, porque o que entrega é um arremedo de todos esses serviços, ditos essenciais a uma sociedade.

Mas as coisas ficam mesmo chocantes quando se vê o imposto de renda cobrado sobre serviços de saúde, que um cidadão teve de pagar porque o Estado não lhe atendeu como o prometido. Quando se paga impostos sobre a compra de livros, em um país de analfabetos totais e funcionais que passam da metade da população porque o Estado jamais acerta o passo para uma educação decente, e universal mas a cada dia pior, com suas promoções automáticas, a sobrecarga de profissionais de educação, o estrangulamento dos seus salários. Ficamos verdadeiramente horrorizados ao perceber o tamanho da fatia dada ao Estado quando pagamos por serviços e produtos para a nossa segurança pessoal, uma vez que o Estado não consegue entregar segurança real.

Quanto se gasta com seguros, de saúde, contra roubo e furto, cercas elétricas, câmeras de vigilância, educação complementar entre outros gastos que nós precisamos arcar e ainda assim, sustentar um Estado com suas estrelas de mais de 300 mil reais por ano, além de seus gastos adicionais com passagens aéreas, combustível, auxílios a perder de vista entre outras regalias?

Como ente abstrato, o Estado se safa de todas as acusações, valendo-se da miséria e da ignorância de milhões para jogar na cara do cidadão comum que o Estado é fundamental para acudir o mais vulnerável.

E porque há tantos moradores de rua? Por que há tantos jovens escolhendo o crime em vez de educação? Por que tantas pessoas na fila de cirurgias que só diminuem nos mutirões eleitoreiros? E o que dizer das estradas que cortam o país? Por que tanta gente morre por falta de atendimento médico? Por que a educação não transforma a vida de ninguém? Por que essa sensação de que é melhor encontrar um bandido na periferia do que ser encontrado nela pela polícia?

Que Estado é esse que estamos financiando? Quem são essas pessoas que recebem tantos benefícios e entregam um produto tão parco?

Essas pessoas estão escondidas por trás da abstração da entidade a que chamamos de Estado, apoiadas em leis e instituições que lhes servem de guarida, em um lugar onde jamais alguém deveria estar, que é acima da sociedade.

O Estado deveria existir para a Sociedade. Mas o que estamos testemunhando é que a Sociedade está vivendo para o Estado.


sábado, 27 de janeiro de 2024

Tópicos Sensíveis: Crise Humanitária, Narcotráfico e a Busca por Soluções Transformadoras

 


A crise humanitária no Equador ganha destaque nos noticiários internacionais, sendo impulsionada por uma onda de violência associada ao narcotráfico. Em diversos lugares, tanto no Brasil como em outros países, temos enfrentado problemas semelhantes, embora em escalas variadas. O Equador, no entanto, está testemunhando uma situação particularmente preocupante. Contudo, meu objetivo não é aprofundar-me na crise equatoriana ou nas violências geradas pelo narcotráfico globalmente.

Gostaria de abordar a questão ética central: a legalização das drogas poderia ser a solução para as crises humanitárias decorrentes do narcotráfico ao redor do mundo? Algumas nações, como Uruguai, Estados Unidos, Bangladesh, Coreia do Norte, Holanda e Portugal, adotaram formas parciais de legalização, seja para fins medicinais ou até mesmo liberando o uso da maconha sem restrições, como na Coreia do Norte. Embora haja debates intensos sobre a legalização da maconha, o consenso global permanece na proibição de drogas em geral.

Entre os argumentos a favor da legalização, destacam-se a redução do mercado ilegal, o controle da qualidade e a arrecadação de impostos. Por outro lado, as objeções incluem preocupações com o aumento do uso, impactos na saúde mental e riscos para a saúde pública.

Além dessas discussões, proponho uma reflexão sobre possíveis soluções:

  1. Estímulo à geração de empregos.
  2. Acesso universal a serviços de saúde de qualidade.
  3. Implementação de assistência social focada na saúde mental.
  4. Introdução de programas de saúde mental em todas as instituições de ensino.
  5. Disponibilidade contínua de assistência psicológica para usuários, visando reduzir ao máximo o número de dependentes e, consequentemente, os impactos do narcotráfico.

Reconheço que essas soluções representam apenas um ponto de partida. No entanto, ao focarmos intensamente nos debates sobre a legalização das drogas, muitas vezes nos perdemos nas discussões e deixamos de apresentar soluções efetivas para esse complexo problema social.



#crisehumanitariaequador #narcotráfico #soluçõestransformadoras #equador #noticiahoje

domingo, 24 de julho de 2022

Lei do Ceará prevê Demissão de Servidor Público por Violência Doméstica

 Por Marcos Pinnto *


A violência doméstica no Estado do Ceará é um problema grave e vergonhoso, que nos causa asco o simples fato de pensar nela. Na busca de soluções, muitas decisões são tomadas num ritmo de urgência que impede a reflexão adequada para o tema.

Exemplo disso é a inclusão explícita no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Ceará (ESPEC) da violência doméstica como um dos casos que culminam na demissão do servidor. Essa inclusão pode causar dano irreparável às esposas de servidores que venham a se envolver nessa situação.

Uma mulher que venha a sofrer violência física ou psicológica por parte de seu companheiro ou companheira, caso este ou esta seja servidor público do estado do Ceará, e que não tenha renda própria, sentir-se-á coagida por esse novo dispositivo legal.

Ela deverá pensar: se eu o/a denuncio, ele/ela perderá o cargo público. Quem sustentará a mim e a meus filhos?

Quem legislou assim, obviamente não pensou muito além do primeiro instante, que é de satisfação por achar mais um meio de "cercar de proteção a mulher".

Esperar que alguém que está inserido no serviço público estadual possa encontrar rapidamente uma outra posição no mercado de trabalho é, no mínimo, fantasioso. Pior ainda se pensarmos em obter um salário que esteja ao menos próximo dos generosos salários pagos pelo estado do Ceará.

Para quem está na iniciativa privada, entrar no serviço público depende apenas de passar em uma bateria de provas. Mas para quem já está no serviço público, entrar na iniciativa privada é muito difícil, por vários motivos.

O primeiro motivo é a imagem que se criou sobre o funcionalismo público brasileiro de uma maneira geral, herança justa da própria aparição dessa figura no contexto histórico do país (leia Visão do Paraíso para uma visão ampla sobre isso). O servidor público, federal ou estadual, é representado nos meios de comunicação como preguiçoso, viciado em corrupção e dotado de tantos outros vícios (por exemplo, na série Os Aspones), além de serem, segundo a crença da maioria, premiados com regalias infinitas (veja o artigo artigo_1). Qual empresário bom do juízo contrataria alguém retratado dessa forma?

O segundo motivo é que os benefícios e nível salarial é muito difícil de ser igualado pelo setor privado, na maioria das funções similares.

O terceiro não necessariamente ocorre com todos, mas com muitos: a função na qual o sujeito se especializou simplesmente não existe no setor privado. E nem estou falando aqui do que se chama "Carreira Típica de Estado", como aborda o artigo disponível em artigo_2.

De qualquer forma, no pior cenário, o indivíduo ficará sem renda, podendo ser preso pelo não pagamento de pensão. No melhor cenário, arranjará uma fonte de renda muito inferior, que não será suficiente para manter o próprio padrão de vida, muito menos de sua antiga companheira e filhos.

Esta inclusão descuidada no ESPEC pode deixar a mulher vítima de violência doméstica diante de um dilema: denunciar e ficar sem sustento para si e para os filhos versus calar-se para garantir seu sustento e dos filhos, como tantas fazem.

Assim, cabe a pergunta: esta lei veio para proteger a mulher ou para servir de entrave a uma denúncia?


* Professor, escritor e desenvolvedor de games e aplicativos.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Vende-se um voto

 No Brasil de 2022, é ano de eleição presidencial. Também elegeremos governadores de estado, deputados estaduais, federais e senadores. Apesar de as eleições municipais serem muito importantes, a eleição presidencial está no topo da relevância para o país.

Ao longo da história de nossa democracia, há diversas histórias sobre venda de votos (algumas inventadas, outras não). Também tivemos (e talvez ainda tenhamos) o voto de cabresto. No primeiro caso, o eleitor promete votar em um candidato desde que receba alguma vantagem, imediata ou duradoura. No segundo, o eleitor se sente obrigado a votar em determinado candidato, temendo alguma represália por parte de alguém com poder de lhe causar algum dano.

Uma vantagem imediata pode ser uma nota de 100 reais, de 50, de 10, de 5 ou de 2, dependendo da região do país, da cidade, do bairro. Se você pesquisar um pouco, vai encontrar o caso do refresco no caminho das urnas. Eu explico: conta-se que, em certo município, um candidato construiu um tanque no caminho para as urnas, encheu de refresco e fez a boca de urna mais refrescante do país.

Uma vantagem duradoura pode ser um cargo de confiança, uma concessão ou uma simples posição no futuro gabinete do candidato.

Mas não é essa venda, digamos, direta, que me interessa aqui. O tipo de venda de votos que estou interessado é a venda indireta, por meio de atravessadores, disfarçados de militantes, apoiadores, entre outros.

Não critico o militante genuíno. Este é sincero, acredita na sua ideologia e, principalmente, acredita naqueles que estão à frente na representação dessa ideologia. Tampouco critico o apoiador sincero, o que usou sua capacidade de julgamento de forma sincera e acredita que aquele a quem apoia é a melhor escolha para sua comunidade, para a sua sociedade, para o seu povo.

Infelizmente, há os falsos militantes e os apoiadores da causa própria. São pessoas egoístas, que longe de pensar no bem do povo, estão pensando no próprio bem e no de seus familiares e amigos mais próximos.

Esses tipos são os mais perigosos para a democracia, pois são levianos, hábeis manipuladores da informação, distorcendo fatos, descontextualizando falas, reeditando vídeos, entre outras atividades temerárias.

O pior é que essa turma está difusa em diversos meios. Não é difícil encontrá-los nos meios de comunicação, redes sociais, escolas, universidades, feiras, cafés, grupos em aplicativos de celular, entre outros. A forma como distorcem a realidade nesses meios é vergonhosa, mas para quem os observa, pois eles mesmos são imunes ao pejo.

Os ingênuos os veem como militantes ou apoiadores verdadeiros. Mas assoprando bem a nuvem de fumaça em que envolvem suas ações, podemos enxergar suas intenções egoístas. Seus esforços medonhos, nos quais transparece a mensagem de que os fins justificam os meios, não são altruístas como querem fazer parecer. Na verdade, são objetivos egoístas envoltos numa manta de bondade coletivista.

Gritam pelos problemas do povo, mas estão apenas interessados nas vantagens indiretas que podem conquistar a partir de determinado resultado. O que é melhor para o povo, de fato, não importa, o que importa é garantir a sua fatia do bolo, mesmo que esse bolo venha sujo com mentiras, trapaças, acusações falsas.

Não é difícil reconhecer um falso militante ou um apoiador da causa própria. Basta ver a inconsistência do discurso, a má-fé ao disseminar mentiras, a hipocrisia no discurso a favor do povo.

Para nosso azar, de forma quase imperceptível, essa corja vem conseguindo atingir seu maior objetivo: induzir a parte ingênua do povo a votar em quem ela quer.



Marcos Pinnto é professor, escritor e desenvolvedor de jogos e aplicativos. 

Siga-me no Instagram: @marcospinnto

quarta-feira, 15 de junho de 2022

QUANTO CUSTA O SEU MEDO?

Por Marcos Pinnto *

 Cento e cinquenta e sete bilhões e setecentos milhões de reais. Número grande, não? Pois, segundo a CNN, é esse o total investido em segurança pública entre 2019 e 2021, pelos 27 estados brasileiros.

Mas, na real, você sente segurança ao andar na rua? Você deixa a sua casa e fica com a certeza de que ela não será invadida?

Eu acredito que a maioria das pessoas não se sente segura ao transitar pelas ruas, seja a pé, de bicicleta, de coletivo ou veículo automotor individual. Não, ninguém pode se sentir seguro, a menos que esteja totalmente despercebido do caos ao redor.

Assaltos, sequestros, arrombamentos, golpes pela internet, tudo isso sobrecarrega nossas mentes com a mensagem de insegurança e até de abandono.

Ao pensar em nossas casas, ao sairmos para trabalhar, a sensação de insegurança é a mesma. Será que estará arrombada e saqueada ao voltarmos?

Não, camarada, não se trata de paranoia. Basta observar o cotidiano, ouvir ou ler um pouco os noticiários. Fechar os olhos e os ouvidos pode até trazer a falsa sensação de segurança, mas não é real. O fato é que estamos escapando, dia a dia, meramente por sorte. Isso mesmo. Sorte de os assaltantes e sequestradores não terem nos escolhido hoje, nem ontem. Mas e amanhã, quem garante?

A nossa segurança está vindo de fatores estatísticos. Talvez você não saiba a probabilidade de sair na rua e ser roubado, essa é uma informação muito difícil de se obter, mas podemos ter uma ideia vaga sobre isso, fazendo um arremedo de cálculos probabilísticos. Vamos arredondar os números para facilitar nossas contas.

Suponha que em 2022, numa capital brasileira, haja 10.000 trabalhadores que saem todos os dias para o seu local de trabalho. Suponha que, nessa mesma cidade, sejam registrados por dia 150 Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVP), que englobam todos os tipos de roubo, segundo a Secretaria de Segurança Pública de um dos estados da federação. Vamos supor ainda que todos os CVP são registrados. Segundo essas suposições, a chance de que um trabalhador qualquer sofra um CVP em um dia qualquer é de 1,5%. Isso significa que, de cada 100 trabalhadores, entre 1 e 2 sofrerão um CVP.

Então, você precisa torcer, todos os dias, para estar entre os 98 que não serão roubados.

Na prática, não é tão simples assim. Porque tem vários fatores intervenientes, especialmente tempo e lugar, isto é, a hora e o local em que se está. Em qualquer capital, por exemplo, há os bairros com número ínfimo de ocorrências criminosas (pelo menos as praticadas pelos bandidos comuns) e há bairros com número assustador dessas ocorrências.

Segundo Diego Ribeiro, em artigo publicado pelo Gazeta do Povo, aos 25 de julho de 2016, os ladrões no Paraná dão preferência aos dias de segunda e quinta, entre 18 horas e 00 hora. Em outros lugares, os horários de maior intensidade dessa atividade criminosa podem variar, mas há horários críticos em cada lugar.

Essas informações modificam um pouco nossa percepção sobre termos sorte: podemos ter sorte, muita sorte ou sermos tremendos sortudos!

Isso nos leva a questões como obter maior segurança por conta própria. Mas isso pode sair muito caro para a maior parte das pessoas e até inacessível para muitos. Para além do fato de sair caro, ainda temos uma sensação de injustiça ao percebermos que estamos pagando um equipamento ou serviço de segurança e, ainda por cima, estamos pagando mais tributos por isso.

No ano de 2015, o deputado Marcelo Aro apresentou na Câmara de Deputados um projeto de lei prevendo a isenção de imposto de renda sobre os gastos com mão de obra e equipamentos destinados à segurança individual. Em 2022, esse projeto ainda não havia se convertido em lei.

Para mim, esse projeto tem todo o mérito de busca por justiça tributária. E acredito que ele deveria ir mais longe. Acredito que todos os equipamentos e serviços destinados à segurança individual, e mesmo coletiva, deveriam ser isentos de todos os tributos. Porque, embora para alguém tais aquisições sejam vistas como escolha individual, isto é, a pessoa escolheu pagar por esses equipamentos e serviços, mas não tinha nenhuma obrigação de fazê-lo, a pessoa não deveria pagar mais tributo, seja IPI, ICMS, ISS, ou outro qualquer.

Mas a pessoa tem mesmo escolha? Talvez, quem não pague por esses serviços e equipamentos é que não tenha escolha, por não ter meios financeiros suficientes. Então, quem adquire tais itens, sente-se acuado, compelido a adquirir, porque o Estado, que recolhe os impostos, não dá conta do que se propõe a dar, que é manter o cidadão em segurança, física e patrimonial.

Vou além: parece-me imoral a incidência de tributos nesse caso. É como se alguém nos vendesse uma geladeira que não gela. Ela está lá, foi muito cara, mas simplesmente não funciona. Então, para preservar nossos alimentos, nos obrigamos a comprar outra geladeira, de outro vendedor. Se estamos comprando outra geladeira, de outro vendedor, exatamente porque a primeira não funciona, por qual razão deveríamos pagar uma taxa ao primeiro vendedor?

Mas as coisas poderiam piorar. Imagine se o primeiro vendedor tivesse relações obscuras com o segundo e que, de propósito, ele danificasse a primeira geladeira, justamente para que o outro pudesse vender a sua. Seria uma situação completamente absurda e, ao mesmo tempo, terrível. Ainda bem que é apenas uma suposição, ainda que suposição absurda e deformada.

Embora não exista uma situação como a hipotética narrada, o fato de pagarmos por uma segurança que não nos deixa seguros, por si só, já é uma tremenda injustiça, talvez mesmo uma grande ofensa. E pagar tributos para obter o mínimo de segurança por conta própria é duplamente ofensivo e injusto.

* Professor, escritor, desenvolvedor de jogos e aplicativos.

terça-feira, 26 de abril de 2022

O Dia em que a Vaidade Encontrou-se com a Arrogância

 A vaidade estava sentada a uma mesa redonda, num café, na praça do Ferreira, no tempo em que os cafés vendiam café e que era normal tomar um cafezinho olhando para quem passasse. Chegou-se à mesa a arrogância.

- Vejo que toma um café ordinário, provavelmente o mais barato da casa e só o toma porque deve ter juntado dinheiro durante toda a semana.

- Ora, mas de onde vem essa criatura tão esnobe?, que nada tem além de um enorme ego e pensa que é mais importante do que qualquer outra criatura sob o sol. Parece que não tem espelho…

A arrogância torceu o nariz, olhou em volta e decidiu-se por sentar-se, fazendo um ângulo de 120 graus em relação à sua interlocutora.

A vaidade mexeu os ombros e as pernas, tentando encontrar uma posição mais confortável, se é que era possível se sentir confortável diante da arrogância.

- Não tenho de dar satisfação de onde venho, mas sim de onde estou e para onde vou. E estou numa posição superior a sua, com certeza, mas ainda vou superá-la de mais largo ainda. Pode ter certeza!

- Se não falei ainda, não ando competindo com qualquer ser, principalmente se esse ser for insignificante diante de toda a minha estonteante beleza! Sim, porque sou bela em exagero, que até me admiro de mim mesma, vendo-me no espelho como a coisa mais perfeita que já existiu na face da Terra. Ninguém supera a minha beleza.

- E por que está você aqui, sozinha, tomando um reles café, sem ninguém que a ame de verdade?

A vaidade tomou um grande gole de café, para fingir o constrangimento de não ter explicação para a sua solidão, para a sua falta de um amor verdadeiro, para a ausência de alguém que se importasse com ela de verdade.

- Vamos, eu espero você tomar todos os litros de café do mundo, mas me responda: por que uma pessoa tão bela, como você diz, tão impressionantemente bela e insuperavelmente bela, está sozinha, ou tem apenas as marcas de várias mãos pelo corpo, usada e descartada como se nada fosse?

- Inveja! Você tem apenas inveja da minha beleza, porque se acha inteligente, acha que tem bens materiais suficientes para viver melhor que a maioria dos seus pares, acha que conquistou tanta coisa, mas no fundo, no fundo, não passa de uma criatura insegura e incapaz de amar.

A arrogância levantou o nariz e ensaiou dizer algo, mas a vaidade continuou:

- Isso mesmo, não adianta fingir. Você é um ser incapaz de amar qualquer outro ser. Aliás, não ama nem a si, pois essa pinta de superior é apenas uma máscara para disfarçar a sua indiferença consigo mesmo.

- Como ousa dizer que não sou capaz de amar? Claro que me amo! E com razão, aliás a razão é a própria razão, se é que me entende, pois você gasta tanto tempo lambendo essa beleza diante do espelho que pouco tempo há para cuidar da mente…

- Você se achar superior em inteligência, não quer dizer que outras criaturas também não sejam inteligentes. Você se ver como bem-sucedido, não significa que os outros são malsucedidos. Tão inteligente, mas não percebe o óbvio…

A arrogância levanta o queixo e solta ar, com força, pelas narinas. A vaidade se distrai olhando para as unhas e se pergunta baixinho se aquela cor está combinando mesmo com sua roupa.

- Você não percebe a insignificância do que julga o mais relevante! Por isso mesmo, nunca será amada de verdade! Viverá na eterna agonia de não achar ninguém que seja digno do que chama de beleza insuperável. Pobre vaidade… Morrerá na solidão, imaginando como seria a vida, se tivesse sido um pouco menos exigente com os outros e vivido um amor verdadeiro.

A vaidade esquece as unhas nesse momento e encara a arrogância.

- Você não pode amar, porque não achará ninguém no seu nível, em todos os sentidos que se vê como melhor. Eu não serei amada porque sou fútil e fugaz. Mas esses são os nossos problemas. Quando você se sentou aqui, achei que fosse me dar alguma solução.

O tempo, que estava na mesa ao lado, interveio:

- Não se preocupem, já ensinei a tantos, piores do que vocês… Ensinarei também a vocês.

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sexta-feira, 4 de março de 2022

Aluna ou Aluno Ideal

Estava eu revendo alguns textos do meu curso de especialização em educação a distância, feito pelo SENAC e me deparei com as características que uma pessoa deveria ter para se tornar discente naquela modalidade de educação.

Analisando aquelas características, notei que qualquer um que as tiver não precisa de uma plataforma, de tutores ou conteudistas, a menos para cumprir o papel a que muitas instituições de ensino se submetem: emitir um papel afirmando que a pessoa se submeteu aos seus rituais e, provavelmente, detém as habilidades inerentes ao título que lhe é outorgado.

Porque qualquer pessoa disciplinada, organizada, motivada por si, e com familiaridade com a tecnologia pode desenvolver praticamente qualquer habilidade que desejar de forma autônoma, a menos, claro, que não tenha acesso a máquinas e a equipamentos necessários para isso.

É interessante que na EAD se tenha esse perfil de aluno bem definido porque na modalidade presencial também se fala sobre o que seria o aluno ou a aluna ideal.

Vamos começar pelo que não é, para chegarmos ao que é: um aluno ideal jamais poderia ser aquele ou aquela que aprende em qualquer situação. Por quê? Se a pessoa aprende em qualquer situação, a lógica nos obriga a concordar que ele aprenderia inclusive na situação de não existência de um professor ou professora, o que significa, em última instância que ele (ou ela) não é aluno (ou aluna), portanto, também não pode ser aluna ou aluno ideal.

Um aluno ou uma aluna ideal não pode ser também a pessoa que executa todas as tarefas de aprendizagem que lhe são atribuídas, apesar de desejarmos que a execução da tarefa em si seja suficiente prova de que determinadas habilidades foram plenamente desenvolvidas. Pode parecer lógico concluir que se uma pessoa fez é porque sabia como fazer. Por outro lado, em muitos casos, não há como aferir se o que foi feito o foi com consciência plena, compreendendo as razões de o procedimento ser aquele e não outro.

Eu sei que nem todo mundo entende sobre programação de computadores, mas o exemplo perfeito está nessa área. Muitas pessoas desenvolvem programas seguindo tutoriais do tipo receita de bolo, ou seja, um conjunto de passos que leva a um resultado, mas não compreendem de fato a razão daqueles passos naquela ordem e se dão por satisfeitos pelo simples fato de o programa ser executado com êxito.

Frequentar todas as aulas também não nos diz que se trata de uma aluna ou um aluno ideal. Não se pode garantir que os pensamentos de uma pessoa estejam focados na aula, muito menos inferir que a mera presença seja garantia de compreensão, conhecimento, análise ou síntese de um conteúdo ou do desenvolvimento de uma habilidade, ainda que parcial.

Se o que aprende em qualquer situação nem sequer é aluno, se executar as tarefas de aprendizagem ou frequentar assiduamente as aulas também não nos dá um aluno ou uma aluna ideal, o que podemos considerar como discente ideal?

Depois de algumas reflexões, buscando apoio na lógica e tentando me afastar da retórica, e do discurso acadêmico floreado de títulos e condecorações, cheguei a seguinte resposta: o aluno ou a aluna ideal é quem se faz dotado de uma vontade predominante de aprender com alguém disposto a ensinar.