Por Marcos Pinnto *
Cento e cinquenta e sete bilhões e setecentos milhões de reais. Número grande, não? Pois, segundo a CNN, é esse o total investido em segurança pública entre 2019 e 2021, pelos 27 estados brasileiros.
Mas, na real, você sente segurança ao andar na rua? Você deixa a sua casa e fica com a certeza de que ela não será invadida?
Eu acredito que a maioria das pessoas não se sente segura ao transitar pelas ruas, seja a pé, de bicicleta, de coletivo ou veículo automotor individual. Não, ninguém pode se sentir seguro, a menos que esteja totalmente despercebido do caos ao redor.
Assaltos, sequestros, arrombamentos, golpes pela internet, tudo isso sobrecarrega nossas mentes com a mensagem de insegurança e até de abandono.
Ao pensar em nossas casas, ao sairmos para trabalhar, a sensação de insegurança é a mesma. Será que estará arrombada e saqueada ao voltarmos?
Não, camarada, não se trata de paranoia. Basta observar o cotidiano, ouvir ou ler um pouco os noticiários. Fechar os olhos e os ouvidos pode até trazer a falsa sensação de segurança, mas não é real. O fato é que estamos escapando, dia a dia, meramente por sorte. Isso mesmo. Sorte de os assaltantes e sequestradores não terem nos escolhido hoje, nem ontem. Mas e amanhã, quem garante?
A nossa segurança está vindo de fatores estatísticos. Talvez você não saiba a probabilidade de sair na rua e ser roubado, essa é uma informação muito difícil de se obter, mas podemos ter uma ideia vaga sobre isso, fazendo um arremedo de cálculos probabilísticos. Vamos arredondar os números para facilitar nossas contas.
Suponha que em 2022, numa capital brasileira, haja 10.000 trabalhadores que saem todos os dias para o seu local de trabalho. Suponha que, nessa mesma cidade, sejam registrados por dia 150 Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVP), que englobam todos os tipos de roubo, segundo a Secretaria de Segurança Pública de um dos estados da federação. Vamos supor ainda que todos os CVP são registrados. Segundo essas suposições, a chance de que um trabalhador qualquer sofra um CVP em um dia qualquer é de 1,5%. Isso significa que, de cada 100 trabalhadores, entre 1 e 2 sofrerão um CVP.
Então, você precisa torcer, todos os dias, para estar entre os 98 que não serão roubados.
Na prática, não é tão simples assim. Porque tem vários fatores intervenientes, especialmente tempo e lugar, isto é, a hora e o local em que se está. Em qualquer capital, por exemplo, há os bairros com número ínfimo de ocorrências criminosas (pelo menos as praticadas pelos bandidos comuns) e há bairros com número assustador dessas ocorrências.
Segundo Diego Ribeiro, em artigo publicado pelo Gazeta do Povo, aos 25 de julho de 2016, os ladrões no Paraná dão preferência aos dias de segunda e quinta, entre 18 horas e 00 hora. Em outros lugares, os horários de maior intensidade dessa atividade criminosa podem variar, mas há horários críticos em cada lugar.
Essas informações modificam um pouco nossa percepção sobre termos sorte: podemos ter sorte, muita sorte ou sermos tremendos sortudos!
Isso nos leva a questões como obter maior segurança por conta própria. Mas isso pode sair muito caro para a maior parte das pessoas e até inacessível para muitos. Para além do fato de sair caro, ainda temos uma sensação de injustiça ao percebermos que estamos pagando um equipamento ou serviço de segurança e, ainda por cima, estamos pagando mais tributos por isso.
No ano de 2015, o deputado Marcelo Aro apresentou na Câmara de Deputados um projeto de lei prevendo a isenção de imposto de renda sobre os gastos com mão de obra e equipamentos destinados à segurança individual. Em 2022, esse projeto ainda não havia se convertido em lei.
Para mim, esse projeto tem todo o mérito de busca por justiça tributária. E acredito que ele deveria ir mais longe. Acredito que todos os equipamentos e serviços destinados à segurança individual, e mesmo coletiva, deveriam ser isentos de todos os tributos. Porque, embora para alguém tais aquisições sejam vistas como escolha individual, isto é, a pessoa escolheu pagar por esses equipamentos e serviços, mas não tinha nenhuma obrigação de fazê-lo, a pessoa não deveria pagar mais tributo, seja IPI, ICMS, ISS, ou outro qualquer.
Mas a pessoa tem mesmo escolha? Talvez, quem não pague por esses serviços e equipamentos é que não tenha escolha, por não ter meios financeiros suficientes. Então, quem adquire tais itens, sente-se acuado, compelido a adquirir, porque o Estado, que recolhe os impostos, não dá conta do que se propõe a dar, que é manter o cidadão em segurança, física e patrimonial.
Vou além: parece-me imoral a incidência de tributos nesse caso. É como se alguém nos vendesse uma geladeira que não gela. Ela está lá, foi muito cara, mas simplesmente não funciona. Então, para preservar nossos alimentos, nos obrigamos a comprar outra geladeira, de outro vendedor. Se estamos comprando outra geladeira, de outro vendedor, exatamente porque a primeira não funciona, por qual razão deveríamos pagar uma taxa ao primeiro vendedor?
Mas as coisas poderiam piorar. Imagine se o primeiro vendedor tivesse relações obscuras com o segundo e que, de propósito, ele danificasse a primeira geladeira, justamente para que o outro pudesse vender a sua. Seria uma situação completamente absurda e, ao mesmo tempo, terrível. Ainda bem que é apenas uma suposição, ainda que suposição absurda e deformada.
Embora não exista uma situação como a hipotética narrada, o fato de pagarmos por uma segurança que não nos deixa seguros, por si só, já é uma tremenda injustiça, talvez mesmo uma grande ofensa. E pagar tributos para obter o mínimo de segurança por conta própria é duplamente ofensivo e injusto.
* Professor, escritor, desenvolvedor de jogos e aplicativos.