A vaidade estava sentada a uma mesa redonda, num café, na praça do Ferreira, no tempo em que os cafés vendiam café e que era normal tomar um cafezinho olhando para quem passasse. Chegou-se à mesa a arrogância.
- Vejo que toma um café ordinário, provavelmente o mais barato da casa e só o toma porque deve ter juntado dinheiro durante toda a semana.
- Ora, mas de onde vem essa criatura tão esnobe?, que nada tem além de um enorme ego e pensa que é mais importante do que qualquer outra criatura sob o sol. Parece que não tem espelho…
A arrogância torceu o nariz, olhou em volta e decidiu-se por sentar-se, fazendo um ângulo de 120 graus em relação à sua interlocutora.
A vaidade mexeu os ombros e as pernas, tentando encontrar uma posição mais confortável, se é que era possível se sentir confortável diante da arrogância.
- Não tenho de dar satisfação de onde venho, mas sim de onde estou e para onde vou. E estou numa posição superior a sua, com certeza, mas ainda vou superá-la de mais largo ainda. Pode ter certeza!
- Se não falei ainda, não ando competindo com qualquer ser, principalmente se esse ser for insignificante diante de toda a minha estonteante beleza! Sim, porque sou bela em exagero, que até me admiro de mim mesma, vendo-me no espelho como a coisa mais perfeita que já existiu na face da Terra. Ninguém supera a minha beleza.
- E por que está você aqui, sozinha, tomando um reles café, sem ninguém que a ame de verdade?
A vaidade tomou um grande gole de café, para fingir o constrangimento de não ter explicação para a sua solidão, para a sua falta de um amor verdadeiro, para a ausência de alguém que se importasse com ela de verdade.
- Vamos, eu espero você tomar todos os litros de café do mundo, mas me responda: por que uma pessoa tão bela, como você diz, tão impressionantemente bela e insuperavelmente bela, está sozinha, ou tem apenas as marcas de várias mãos pelo corpo, usada e descartada como se nada fosse?
- Inveja! Você tem apenas inveja da minha beleza, porque se acha inteligente, acha que tem bens materiais suficientes para viver melhor que a maioria dos seus pares, acha que conquistou tanta coisa, mas no fundo, no fundo, não passa de uma criatura insegura e incapaz de amar.
A arrogância levantou o nariz e ensaiou dizer algo, mas a vaidade continuou:
- Isso mesmo, não adianta fingir. Você é um ser incapaz de amar qualquer outro ser. Aliás, não ama nem a si, pois essa pinta de superior é apenas uma máscara para disfarçar a sua indiferença consigo mesmo.
- Como ousa dizer que não sou capaz de amar? Claro que me amo! E com razão, aliás a razão é a própria razão, se é que me entende, pois você gasta tanto tempo lambendo essa beleza diante do espelho que pouco tempo há para cuidar da mente…
- Você se achar superior em inteligência, não quer dizer que outras criaturas também não sejam inteligentes. Você se ver como bem-sucedido, não significa que os outros são malsucedidos. Tão inteligente, mas não percebe o óbvio…
A arrogância levanta o queixo e solta ar, com força, pelas narinas. A vaidade se distrai olhando para as unhas e se pergunta baixinho se aquela cor está combinando mesmo com sua roupa.
- Você não percebe a insignificância do que julga o mais relevante! Por isso mesmo, nunca será amada de verdade! Viverá na eterna agonia de não achar ninguém que seja digno do que chama de beleza insuperável. Pobre vaidade… Morrerá na solidão, imaginando como seria a vida, se tivesse sido um pouco menos exigente com os outros e vivido um amor verdadeiro.
A vaidade esquece as unhas nesse momento e encara a arrogância.
- Você não pode amar, porque não achará ninguém no seu nível, em todos os sentidos que se vê como melhor. Eu não serei amada porque sou fútil e fugaz. Mas esses são os nossos problemas. Quando você se sentou aqui, achei que fosse me dar alguma solução.
O tempo, que estava na mesa ao lado, interveio:
- Não se preocupem, já ensinei a tantos, piores do que vocês… Ensinarei também a vocês.
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