Já faz algum tempo, causou polêmica um vídeo publicado por um investidor revoltado com o fato de precisar entregar parte do seu patrimônio para o Estado. O vídeo foi considerado ofensivo pelo pessoal da receita federal brasileira, pois as acusações eram realmente sem precedentes, pelo menos de forma pública e escancara como foi no caso do vídeo.
Entraram na justiça para retirar o vídeo de circulação. Deu em nada. A justiça deu causa perdida. O pior é que o vídeo foi replicado por vários outros canais e em redes sociais pelos admiradores do autor do vídeo. Aliás, o mesmo ficou conhecido como o homem que desafiou o estado brasileiro.
A postura do autor, chamado pela receita de sonegador, segue a seguinte linha de raciocínio: o estado não planta, não colhe, não constrói, não compra, não vende, mas ganha o tempo todo, de todos, não importa se há lucro ou prejuízo, todos devem entregar parte do seu patrimônio para o estado. Em troca, o estado promete segurança, mas o/a cidadão/cidadã precisa pagar seguro contra furto e roubo, pagar por vigilância privada, por cerca elétrica, por câmeras de segurança, e até por seguro de vida (ou principalmente, dado o nível de violência nas cidades e no campo). O estado também promete saúde gratuita para todos, mas a quantidade de pessoas que realmente acessa esses serviços de saúde é ínfima diante da quantidade de dinheiro entregue ao estado. Vemos filas para cirurgias urgentes, atendimento em corredores, e toda a sorte de bizarrices no atendimento do pujante sistema público de saúde. O estado também promete educação, mas o que entrega é somente um arremedo de educação, usando números fabulosos em termos de quantidade para desviar a atenção da qualidade.
Não pense que vou defender mais tributação sobre as pessoas mais ricas por causa da seguinte opinião: o mais grave, quando se fala em tributação no Brasil, é que quanto mais baixa a renda de um/a cidadão/cidadã, mais impostos, de forma proporcional, ele/ela paga.
Impostos como ICMS, ISS estão presentes no cotidiano de todas as pessoas, seja de forma direta ou de forma indireta. A forma indireta aqui pode ser vista como as pessoas que consomem produtos e serviços que são pagas por uma outra pessoa, ou quando não há emissão de uma nota fiscal numa transação, mas que o recolhimento de um imposto já tenha sido feito em uma transação anterior.
Esses impostos têm alíquotas que transformam o estado em um sócio de todas as empresas. No entanto, é o tipo de sócio que se sua empresa falir ele simplesmente o abandona, só não abre mão de receber o que, por acaso, ainda estiver pendente de pagamento.
Ainda temos os impostos de importação e exportação, impostos sobre produtos industrializados, imposto sobre propriedade de veículo automotor (exceto jatinhos e lanchas – se eu fosse juiz e tivesse jatinho e lanchas…), imposto sobre propriedade urbana, imposto sobre propriedade rural… Uma infinidade de impostos e taxas. Por falar em taxa, temos a famigerada taxa de iluminação pública, que é uma verdadeira aberração tributária.
Diante tantos tributos, é natural que muitos cidadãos e cidadãs se sintam sufocados pelo estado, vendo o resultado de seus esforços repartidos quase que ao meio com o estado que quase nada lhes oferece em troca.
No entanto, podemos piorar as coisas. Imagine que você paga um tributo e o fisco, digamos, finge que você não pagou. Se isso acontecer, ele estabelece uma multa pelo atraso e, enquanto você não paga de novo pelo mesmo tributo ou provar que você já havia pago, sua situação fiscal ficará pendente, causando-lhe uma série de aborrecimentos.
Vamos a um caso real. O meu, é claro. No ano de 2020, mais especificamente em dezembro, correu um fato gerador para um tributo que deveria ser pago via Documento de Arrecadação de tributos Federais, mais conhecido como DARF.
Atualmente, a receita federal brasileira mantém o serviço on-line de geração desse documento. Ou seja, um tipo de software on-line no qual se preenchem os dados do contribuinte e do tributo.
Depois de gerar esse documento, vi que o mesmo não tinha código de barras, ou outro tipo de código que permitisse o pagamento on-line. Precisei me dirigir até uma agência física, levando a folha impressa com os dados do DARF impressos. Chegando lá, fui orientado a usar o caixa eletrônico do banco. Achei a opção para pagamento do DARF. Como falei, o documento que levei impresso não continha nenhum código que identificasse aquele documento de forma inequívoca e única, como um QR-Code ou algo assim. A tela da máquina mostrava apenas os mesmos campos solicitados no site para geração on-line, ou seja, era como se eu estivesse criando outro DARF.
Preenchi os dados sobre o tributo e apertei a tecla de confirmação. Nesse momento, a máquina pediu apenas a minha senha e nada mais. Tudo bem, afinal, o dinheiro sairia da minha conta, então, naturalmente seria fácil identificar o contribuinte, claro… Só que não. Foi justamente esse momento que me fez sentir, depois, como se tivesse sido vítima de um furto.
O furto ocorre quando um valor lhe é subtraído sem que a vítima perceba.
O pagamento foi feito, mas para a receita federal brasileira eu não paguei. Por quê? Porque o sistema instalado na máquina, que obviamente não é de minha responsabilidade, permitiu que eu pagasse sem informar o meu CPF.
Quem é programador sabe que é elementar criar uma validação para campos. Você já deve ter tentado enviar um formulário e recebido um aviso informando que um campo obrigatório não foi preenchido. Pois isso é uma condição chamada validação de campo, que é mais ou menos como se o sistema verificasse o que você escreveu e conferisse com um gabarito geral e, assim, liberasse o envio do formulário.
Neste momento, na minha cabeça, surgem algumas perguntas. Por que essa validação não ocorreu no sistema para pagamento de um tributo, coisa da mais alta seriedade, quando isso é muito fácil de fazer para qualquer programador? Se qualquer programador iniciante sabe criar uma validação de campos, os responsáveis pela criação daquele sistema teriam sido orientados a deixar sem validação? E qual seria a intenção por trás dessa não validação de um campo essencial como a identificação do contribuinte?
Com tudo isso, no comprovante de transação bancária está explícito o código do banco, o número da agência e da conta pagadora, que está vinculada ao CPF de quem pagou, obviamente. Mas por que essas informações foram desconsideradas pela receita federal brasileira?
Eu descobri que é possível retificar um DARF. O procedimento é chamado de REDARF. Basicamente, o contribuinte preenche um formulário em duas vias e o submete ao fisco para que este defira ou não a mudança. A mudança do DARF pago pode ser do CPF do contribuinte, das datas de pagamento, do código de pagamento, etc.
No caso de mudança de CPF, obviamente, o portador do CPF que consta originalmente no documento deve declarar sua anuência, no mesmo formulário.
E o que acontece se no DARF não constar o CPF de ninguém?
Vamos especular um pouco: teoricamente, ninguém precisa assinar a anuência, concorda? O que pode ser uma fonte de fraude em que pessoas com informações privilegiadas poderiam simplesmente transferir os valores associados ao DARF sem identificação do contribuinte para o CPF de um laranja. Mas quem conseguiria tantos números de CPF de modo a cometer essa fraude sem que fosse descoberto? Fraudadores que tenham um amplo conhecimento desses cadastros de pessoas físicas.
Voltando ao meu caso, o que aconteceu foi que minha restituição de imposto de renda ficou retida. Acessando o site da receita federal, vi que se tratava desse tributo, já acrescido de uma multa, claro. Em meio as informações confusas e em letras miúdas do site, vi que poderia usar a própria restituição para quitar o débito que eu não tinha, para que o restante da restituição fosse liberada. Foi isso que fiz.
Depois, pesquisei no site do fisco como eu poderia apresentar o comprovante de transação bancária, para que o equívoco fosse reparado. Veja bem, aqui minha preocupação é menos com os valores do que uma questão de honra. Paguei por uma multa e duas vezes o mesmo tributo, tudo por uma falha no sistema, que não faz validação de campo o que, na minha opinião, é feito de propósito, para prejudicar o contribuinte e tentar arrancar dele valores acima dos já estabelecidos por lei, ou para fins menos honrosos.
Entrei no atendimento via chat e recebi uma colagem de texto na tela, com quase três páginas de letras miúdas…
Com muita dificuldade, agendei o atendimento presencial. Chegando na portaria fui informado que o agendamento é virtual, mas para entrar eu precisaria imprimir da internet o comprovante de agendamento, ou seja, eles não querem verificar o agendamento pelo famigerado número do CPF. Paguei R$ 5,00 para imprimir ali perto, além de compartilhar dados pessoais com o funcionário do local.
Entrei faltando cinco minutos para meu horário agendado. Fui para um salão de espera e descobri que outras pessoas já estavam lá aguardando pelo atendimento que era feito com mais de uma hora de atraso com relação ao agendamento. No meu caso não foi diferente. Passei exatos 63 minutos para sentar diante de uma servidora que olhou meu comprovante de transação bancária e me disse que ali nada podia ser feito…
Deu-me mais uma lista de instruções para que pudesse fazer o REDARF e, caso meu requerimento fosse aceito, o valor seria descontado no próximo exercício, isto é, no ano seguinte, caso eu esteja vivo e faça a declaração de imposto de renda.
Preenchi os formulários e fui para a internet tentar agendar o serviço. Surpresa: não tinha nenhum horário de nenhum dia disponível até o fim do ano.
Essa foi a minha saga até aqui para provar que nunca devi nada aos… Não, não vou manchar minha escrita me referindo ao sistema como o fez o o sujeito do vídeo. Mas é com um profundo desapontamento que finalizo esse texto.